opinião
A origem do Mal
“Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, e nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira.” Jo 8.44
“Tu que és tão puro de olhos que não podes ver o mal, e que não podes contemplar a perversidade…” Hc 1.13
“Esta é a mensagem que dele ouvimos e vos anunciamos: que Deus é luz e nele não há treva nenhuma.” IJo 1.5
Onde o mal teve sua origem, biblicamente?
Antes de responder a esta pergunta, é necessário definir algumas coisas: 1. O mal existe? 2. O que é o mal?
- O mal existe (enquanto coisa ou substância)?
Na tradução JFA as palavra traduzidas por mal, aparecem 448 vezes no Antigo testamento, e 76 vezes no Novo Testamento. Segundo James Strong, o “mal” em Hebraico tem origem na palavra רע “Ra’” e em grego na palavra da κακος kakos e suas derivações, alem de outras também assim traduzidas, ao todo 14 palavras gregas diferentes, tão vasto o número de aplicações e sinônimos, desde malefício, maldade, maledicência, ou causar dor física, causar o mal, sem valor, contra a moral, praticar iniqüidade, impiedade de coração, agir na impiedade, aflição, tudo isto é “mal” em termos bíblicos.
Biblicamente é indiscutível a existência do mal. Filosoficamente ou na prática, não é difícil provar a existência do mal, difícil é defini-lo, identificar sua origem ontológica ou metafísica.
É fácil verificarmos a existência do mal. Ex: a morte, a perda, a dor, a doença, a separação, a extinção, a tristeza, a frustração, insatisfação, raiva, ódio, violência, tudo isto são mais do que prova que o mal existe. Mas o que é o mal? Eis o nosso segundo ponto.
2. O que é o “mal”?
Ao longo dos anos o mais simples e correto a ser dito, e que já foi dito (por Agostinho, Aquino, Karl Barth ou C. S. Lewis), é que o mal é a ausência de bem. É a falta, a defecção, a depravação, a corrupção da natureza, o caos, o vazio, o nada, o sem propósito, o inútil.
Mas o mal é real? É uma coisa ou substância? O mal é apenas subjetivo?
“O mal é real, mas não é coisa real. Ele não é subjetivo, mas também não é substância.” “(para Agostinho) O amor desordenado, uma vontade desordenada.” “É um relacionamento errado, uma inconformidade entre a nossa vontade e a vontade de Deus.” (Manual de defesa da fé, Peter Kreeft e Ronald Tacelli, pg 203)
Nossa definição: O mal não é uma coisa ou criatura, não tem uma forma específica, é uma manifestação do que é contrária a vontade de Deus, contrário à Sua natureza santa, é o impuro, imperfeito, defectivo, é a ausência do bem, a falta, a separação, nunca com origem em si mesmo – não existe em si mesmo0, é sempre derivado, conseqüente.
Um grande e comum erro na análise do tema, é a falta de definição conceitual clara, é tratar o mal como uma criatura formada pelas mãos do Criador (Deus).
Para Karl Barth, o mal, isto é, o caos, o inútil, nem é Deus, não pode assim ser visto – como uma força contrária a Deus – não pode ser visto como seu oposto natural, e nem é criatura.
3. E como “nasceu” o mal, qual a sua origem?
A origem do mal, isto é, de todas as espécies, esta diretamente relacionada à origem do pecado, ao primeiro pecado humano, e ao primeiro pecado angelical (de Lúcifer – Satanás – Ap 12).
O mal se origina na rebelião, em livremente fazer-se o que é contrário a vontade de Deus, o contrário ao querer divino, ou fazer o contrário a natureza santa de Deus, a natureza pura com a qual o homem foi criado (Ec 7.29), a sua imagem e semelhança.
Grandes pensadores, ao longo da história cristã, das mais variadas vertentes teológicas, têm defendido a tese que o mal tem sua origem na liberdade concedida aos seres, aos anjos e aos homens. Vejamos:
João Calvino – “Como, porém, o Diabo foi criado por Deus, lembremo-nos de que esta malignificência que atribuímos à sua natureza não procede da criação, mas da depravação. Tudo quanto, pois, tem ele de condenável, sobre si evocou por sua defecção e queda. Pois visto que a Escritura nos adverte, para que não venhamos, crendo que ele recebeu de Deus exatamente o que é agora, a atribuir ao próprio Deus o que lhe é absolutamente estranho. Por esta razão, Cristo declara [Jo 8.44] que Satanás, quando profere a mentira, fala do que é próprio à sua natureza, e apresenta a causa: “porque não permaneceu na verdade.” De fato, quando estatui que Satanás não persistiu na verdade, implica em que outrora ele estivera nela; e quando o faz pai da mentira, lhe exime isto: que não se impute a Deus a falta da qual ele mesmo foi a causa. (Institutas, I, pg 168)”
Luois Berkhof (Pecado) “NÃO SE PODE CONSIDERAR DEUS COMO O SEU AUTOR. O decreto eterno de Deus evidentemente deu a certeza da entrada do pecado no mundo, mas não se pode interpretar isso de modo que faca de Deus a causa do pecado no sentido de ser Ele o seu autor responsável. Esta idéia é claramente excluída pela Escritura. “Longe de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-poderoso o cometer injustiça”, Jó 34.10. Ele é o santo Deus, Is 6.3, e absolutamente não há falta de retidão nele, Dt 32.4; Sl 92.16. Ele não pode ser tentado pelo mal, e Ele próprio não tenta a ninguém, Tg 1.13. Quando criou o homem, criou-o bom e à Sua imagem. Ele positivamente odeia o pecado, Dt 25.16; Sl 5.4; 11.5; Zc 8.17; Lc 16.15, e em Cristo fez provisão para libertar do pecado o homem. À luz disso tudo, seria blasfemo falar de Deus como o autor do pecado. E por essa razão, todos os conceitos deterministas que representam o pecado como uma necessidade inerente à própria natureza das coisas devem ser rejeitados. Por implicação, eles fazem de Deus o autor do pecado e são contrários, não somente à Escritura, mas também à voz da consciência, que atesta a responsabilidade do homem.” Teologia Sistemática, pg 211
Norman Geisler – Contudo, o poder de livre-escolha moral acarreta a capacidade tanto de escolher o bem que Deus designou par nós quanto de rejeitá-lo. A última é chamada mal. É bom ser livre, mas a liberdade torna o mal possível. Se Deus fez criaturas livres e se é bom ser livre, então a origem do mal está no uso indevido desta liberdade. Isto não é difícil de entender. Todos nós desfrutamos a liberdade de dirigir, mas muitos abusam dessa liberdade e dirigem imprudentemente. Todavia, não devemos culpar o governo de conceder carteira de motorista só porque alguns fazem mal uso do carro. Os que matam outros por dirigir irresponsavelmente são responsáveis pelo que aconteceu. Lembre-se: o governo que deu a permissão para dirigir também estabeleceu leis sobre como dirigir de maneira segura.
Da mesma forma,Deus é moralmente responsável por dar a boa coisa chamada livre-arbítrio, mas não é moralmente responsável por todos os males que fazemos com nossa liberdade. Salomão esclarece isso muito bem: “Assim, cheguei a esta conclusão: Deus fez os homens justos, mas eles foram em busca de muitas intrigas. (Ec 7.29)”. (…) O fato da liberdade é bom, embora alguns atos da liberdade sejam maus. Deus é a causa do primeiro, e nós, a causa dos últimos. (Eleitos, mas livres, pg 24-25)
Em resumo, se Deus fez criaturas livres, a possibilidade do mal estava prevista nesta liberdade, considerada. E Sua onisciência ou pela presciência, Deus sabia que o homem iria pecar, mas a liberdade englobava a possibilidade do pecado, do erro, do desvio dos homens, do mal.
Com a entrada do mal no mundo, pecado de Adão e Eva, toda criação geme: “Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus. Porquanto a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, conjuntamente, geme e está com dores de parto até agora; e não só ela, mas até nós, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” Rm 8.19-23
A defecção, a corrupção, o erro, o desequilíbrio, a falta de Deus, tudo entrou no mundo, teve as portas abertas. Toda criação ficou sujeita a vaidade, sujeita ao erro.
Por outro lado:
Entre os extremados (heresias) existem as que propagam duas pragas, que rapidamente se proliferam, principalmente entre o mais jovens, trazendo uma capa de intelectualidade, são o que denominamos de voluntarismo (os que aplicam seus próprios conceitos, acima até mesmo da Palavra de Deus, buscam na bíblia apoio aos conceitos e não os conceitos extraídos da Palavra) e os nominalistas (que definem bem e mal apenas como conceitos relativos, o que Deus diz que é bem, é bom, então é o bem, a verdade. De outro modo, o bem é bem porque Deus disse e quer, não existe bem ou verdade absoluta, existe apenas a vontade de Deus, independente de Sua natureza, o que Ele quiser que seja considerado bem – matar, por exemplo – será porque Ele quer, o bem é apenas conceito). Estas duas pragas são comuns entre os descrentes, com frase do tipo: “o que é a verdade?” “isto é a sua verdade, seu modo de ver”, não existindo bem supremo, verdade suprema, bem ou luz absoluta. Nos lembram o dualismo maniqueu ou o taoísmo, em busca do equilíbrio, tudo é relativo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Taoismo
Norman Geisler, falando destes males, chamou apenas voluntarismo, mas tratou das duas coisas em conjunto, em nosso entendimento: “Na raiz do calvinismo extremado está uma forma radical de voluntarismo, que afirma que alguma coisa é certa porque Deus quis, em vez de dizer que Deus a quer porque ela é certa e porque está de acordo com Sua natureza imutável (posição chamada de essencialismo). Se o voluntarismo é certo, então não há qualquer problema moral com a graça irresistível sobre quem não quer…(…). Contudo, se a vontade de Deus no fundo não é arbitrária, o calvinismo extremado entra em colapso.” (Eleitos, mas livres; pg 277)
Roger Olson – “Nominalismo, é claro, é a crença de que beleza, verdade e bondade são nada mais do que conceitos, idéias convencionais, construções. Eles não têm nenhuma realidade ontológica. Eles não são essências eternas ou universais; tais não existem. Levado para a teologia, então, tem-se o voluntarismo na doutrina de Deus. Deus não tem uma natureza eterna de caráter; ele é puro poder e vontade. Deus é tudo o que Deus decide ser. O resultado é que o “bom” é qualquer coisa que Deus ordena, e Deus não ordena nada pelo fato de algo ser bom. É bom porque Deus o ordena.
Voluntarismo, na forma do “deus absconditus” (Deus oculto), foi uma lisonja metafísica que Lutero deu a Deus. Ele achava que isso protegia a divindade de Deus. Essa ideia foi empregada por alguns teólogos reformados e aparece em todo período pós-Reforma quando alguns calvinistas (e outros) afirmam que “tudo o que Deus faz é bom e automaticamente correto apenas porque Deus o faz.”
Isso torna Deus verdadeiramente monstruoso, pois, dessa forma, ele não possui um caráter reto. “Bom” se torna o que Deus decide e faz e, em última análise, perde totalmente o sentido, pois não tem conexão essencial com qualquer coisa que conheçamos como “o bom“.” Fonte: http://deusamouomundo.com/calvinismo/nominalismo-voluntarismo/
Charles H. Spurgeon – “Meu coração sangra por muitas famílias onde as doutrinas da antinomia ganhou espaço. Eu poderia contar muitas histórias tristes de famílias mortas em pecados, cuja consciência está cauterizada como por ferro quente, pela pregação fatal que ouvem.”
“Tenho visto convicções sufocadas e desejos apagados pelo sistema destruidor de almas que lhes rouba a dignidade, tornando-os não mais responsáveis que um boi.” (grifo nosso) (Spurgeon Versus Hiper-Calvinismo, 155.)
Biblicamente sabemos que Cristo é a verdade (Jo 14.6), sabemos que Deus é a Luz que ilumina a todos homem (Jo 1.9), que não pode mentir, nem ver o mal, não muda, nem tem sombra de variação “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sobra de variação. Tg 1.17
O problema é quando o nominalismo/voluntarismo invade o universo teológico, travestido de intelectualidade, influenciando jovens, e infelizmente isto tem acontecido.
Um exemplo do Calvinismo extremado que chegou ao Brasil, vem do chinês, Vincent Cheung, mesmo contrariamente ao que ensinou o próprio Calvino, este se esforça, em seus livros e textos, para “provar” que Deus é o autor do pecado. Que Deus manda pecar, ao final, para a Sua própria gloria. (Deus nos livre de tais pensamentos.)
Vincent Cheung – “ Por outro lado, quando alguns alegam que minha visão da soberania divina faz de Deus o autor do pecado, minha primeira reação tende a ser, “E daí?” (…) A verdade é que, seja Deus o autor do pecado ou não, não há nenhum problema bíblico ou racional em Ele ser o autor do pecado”. (O autor do pecado, pg 4) “”Também, os calvinistas frequentemente afirmam que Adão foi livre antes da queda. Mas, novamente, eu sempre falo de liberdade com relação a Deus, e desta perspectiva, eu diria que Adão não teve nenhuma liberdade, seja qual for, nem mesmo antes da queda. Ser “livre” para pecar é irrelevante. A questão é se Adão era livre de Deus para escolher permanecer livre do pecado – ele não era. Além disso, eu não diria que Deus permitiu Adão cair, mas que Deus causou a queda. Muitos calvinistas também discordariam de mim sobre isso”. (grifos nossos) (O autor do pecado, pg 15)
Ou seja, para o nominalista, o que é mal (o pecado) nasce no próprio Deus, na mente de Deus. Outros calvinistas (e arminianos, como eu) tementes a Deus consideram a posição do Cheung, quanto à origem do pecado, blasfema.
“A doutrina da predestinação, como sustentada pelos rígidos calvinistas, é muito repugnante, e deve ser completamente abominada, porque ela acusa o mais santo Deus de ser o autor do pecado.” (Susanna Wesley, citado em A. W. Harrison, Arminianism (Londres: Duckworth, 1937), p. 189.)
Portanto vós, homens de entendimento, escutai-me: Longe de Deus esteja o praticar a maldade e do Todo-Poderoso o cometer a perversidade! (Jó 34.10).
Porque tu não és um Deus que tenha prazer na iniqüidade, nem contigo habitará o mal. (Sl 5.4).
Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes contemplar. Por que olhas para os que procedem aleivosamente, e te calas quando o ímpio devora aquele que é mais justo do que ele? (Hc 1.13).
- “A Escritura Sagrada mostra e recomenda a nós esta graça eterna e imerecida sobre nossa eleição, especialmente quando, além disso, testifica que nem todos os homens são eleitos, mas que alguns não o são, ou seja, são passados na eleição eterna de Deus. De acordo com seu soberano, justo, irrepreensível e imutável bom propósito, Deus decidiu deixá-los na miséria comum em que se lançaram por sua própria culpa, não lhes concedendo a fé salvadora e a graça de conversão. Para mostrar sua justiça, decidiu deixá-los em seus próprios caminhos e debaixo do seu justo julgamento, e finalmente condená-los e puni-los eternamente, não apenas por causa de sua incredulidade, mas também por todos os seus pecados, para mostrar sua justiça. Este é o decreto da reprovação qual não torna Deus o autor do pecado (tal pensamento é blasfêmia!), mas O declara o temível, irrepreensível e justo Juiz e Vingador do pecado.” (grifo nosso) (I. 15; Sínodo Calvinista de Dort, Holanda, 1618-1619)
O mal não nasce no desejo de Deus de que aconteça, não pode ser considerado como um desejo do criardor, mas uma permissão, as desgraças e mazelas da natureza humana são fruto da corrupção e não foram, minuciosamente, arquitetadas e executadas por Deus.
“E viraram para mim as costas, e não o rosto; ainda que eu os ensinava, com insistência, eles não deram ouvidos para receberem instrução. Mas puseram as suas abominações na casa que se chama pelo meu nome, para a profanarem. Também edificaram os altos de Baal, que estão no vale do filho de Hinom, para fazerem passar seus filhos e suas filhas pelo fogo a Moloque; o que nunca lhes ordenei, nem me passou pela mente, que fizessem tal abominação, para fazerem pecar a Judá.” (Jr 32.33-35)
Deus não condiciona, por um livre impulso, arbitrário, o mal, o pecado ou a morte/perdição do ímpio, mas todos estes tem origem na vontade, em receber ou resistir a manifestação da Graça, em obedecer ou não obedecer.
“Tenho eu algum prazer na morte do ímpio? diz o Senhor Deus. Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniqüidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o ímpio, porventura viverá? De todas as suas justiças que tiver feito não se fará memória; pois pela traição que praticou, e pelo pecado que cometeu ele morrerá.” Ez 18.23-24
“Dize-lhes: Vivo eu, diz o Senhor Deus, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim em que o ímpio se converta do seu caminho, e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que morrereis, ó casa de Israel? (…) Quando o justo se apartar da sua justiça, praticando a iniqüidade, morrerá nela; e, quando o ímpio se converter da sua impiedade, e praticar a retidão e a justiça, por estas viverá.” Ez 33.11, 18-19.
Voluntaristas, como o puritano, John Owen e o ultra calvinista Arthur W. Pink, que afirmavam que “Deus odiou os não-eleitos antes de seu nascimento.” (Citados em o outro lado do Calvinismo, Laurance M. Vance). Pregavam, em sua época, um Deus odioso, e uma eleição, o que chamo de “eleição raivosa”, criam que Deus já odiava os homens (reprovados) antes da fundação do mundo, fez alguns homens odiando-os.
A síntese do voluntarismo pode ser exposta nas palavras de Pink:
- “Deus não apenas tinha um pré-conhecimento perfeito do resultado da experiência de Adão; não só seu olho onisciente viu Adão comer do fruto proibido, mas decretou de antemão que ele deveria fazê-lo.” (A.W. Pink, The Sovereignty of God, Appendix II, The Case of Adam, p. 283). Veja mais em http://deusamouomundo.com/calvinismo/
Ou ainda o puritano William Ames: “Romanos 9.13 diz que Deus odeia os não eleitos. Esse ódio é de negação ou de privação, porque nega a eleição, mas tem um conteúdo positivo, porque Deus deseja que alguns não possuam a vida eterna.” (The Marrow of Teology, pg 222 – citado por Geisler em Eleitos, mas livres).
Estes senhores “tentaram” provar que Deus odiou sua criação antes mesmo de fazê-la. Então por que o fez? De onde vem tanto ódio? Por que não mudou (Deus) de idéia?
Realmente, não é um “deus” de ódio que nos foi revelado em Cristo ou na Escritura, mas um Deus de amor. (I Jo 4.8-18)
Sendo Cristo a completa revelação de Deus aos homens, em quem habitava corporalmente toda a plenitude da divindade. Cl 2.9; não havendo Cristo odiado ninguém incondicionalmente, mas amando mesmo aqueles que não queriam se submeter à mensagem da cruz ou que rejeitaram às palavras dos profetas. (Mt 23.37; Mc 10. 21-22), este Deus de amor é o Deus revelado em Cristo, pelo Espírito Santos, é o Santíssimo Deus revelado nas Escrituras.
“Não consigo imaginar um instrumento mais eficaz nas mãos de Satanás para a ruína das almas do que um ministro que diga aos pecadores que não e obrigação deles se arrependerem dos seus pecados [e] que, ainda assim, tenha a arrogância de se autodenominar um ministro do evangelho, ao ensinar que Deus odeia algumas pessoas de forma infinita e imutável por nenhuma outra razão a não ser porque Ele, simplesmente, decidiu odiá-las. Ah, meus irmãos! Que o Senhor lhes guarde dos encantamentos de um ministro deste tipo e os mantenham sempre surdos a voz do erro.”( Spurgeon Versus Hiper-Calvinismo, 155-56).
Retomando “o problema do mal”.
Muitos versículos são usados, pelos voluntaristas e nominalistas, para sustentar a tese de Deus autor do mal e do pecado, e também para “o ódio eterno de Deus”, este último tema trataremos em outra oportunidade.
- Uma das principais passagens, na versão JFA-RA, é Isaías 45.6-7, vamos fazer uso da boa explicação de R. C. Sproul.
“Para que se saiba que até o nascente do sol e até o poente, que além de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; faço a paz, e crio o mal; eu o Senhor, faço todas estas coisas.“ (Is 45.6-7)
R. C. Sproul – “Tenho sido muitas vezes, questionado sobre esses versículos. Podemos ver neles um ensino claro de que Deus cria o mal? Isto não faria de Deus o autor do pecado? A solução desta problemática é simples, se reconhecermos nela a presença obvia de um paralelismo antitético (obs: paralelismo entre opostos). Na primeira parte a luz é colocada em contraste com as trevas. Na segunda paz é posta em contraste com o mal. Qual seria o oposto de “paz”? O tipo de mal que é contrastado não com bondade, mas com a ‘paz’. A New American Standart Bible (Nova bíblia padrão americana), uma tradução mais recente diz: “Causando bem-estar e criando calamidade”. Esta é uma tradução mais acurada deste pensamento expresso por paralelismo antitético. O ponto central da passagem é que, em última análise, Deus derrama as suas bênçãos do bem-estar e da paz sobre o povo justo e fiel, mas visita-o com calamidade quando age em julgamento. Isto está longe da noção de Deus como criador do mal.” (O conhecimento das Escrituras, pg 93-94)
Como vimos, o texto é simples, trata-se de paralelismo entre opostos, e que acredito que em futuras revisões das versões em português deve ser substituído o termo mal por calamidade, como na Nova Versão americana.
- Outro texto utilizado (para “provar” que Deus é o autor do mal) é Lamentações 3.37-38:
“Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o não mande. Porventura da boca do altíssimo não sai o mal e o bem?”
Este texto, para os voluntaristas, parece irrefutável, mas se analisarmos o contexto, os versículos seguintes “De que se queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados. Esquadrinhemos os nossos caminhos, experimentemo-los e voltemos para o Senhor” Lm 3.39-40
É muito claro no contexto que o mal é o conseqüente, é derivado: “Queixe-se cada um dos seus pecados”, e ainda é um convite ao arrependimento, em reconhecer-se o errou. E como conseqüente não se trata de mal moral, iniqüidade, mas de dores, calamidades que tem origem no próprio pecado cometido e não na vontade de Deus em fazer mal, criar o mal. De Deus procede a bonança e a correção, a benção e a maldição (conseqüente), é esta a mensagem dos versículos, porque Ele instituiu juízos assim. É verdade que, tudo, em último caso, “vem de Deus”, mas não nasce ou se origina em Deus, é conseqüência do pecado. Não se queixe de Deus, nem atribua mal moral, iniqüidade, a Deus, “queixe-se cada um dos seus pecados”.
4. Pode ser Deus, em algum sentido, considerado o autor do mal?
A resposta a esta questão, deixo com Norman Geisler e Thomas Howe (Enciclopédia, Manual popular)
ISAÍAS 45:7 – Deus é o autor do mal?
PROBLEMA: De acordo com este versículo, Deus forma a luz e cria as trevas, faz a paz e cria o mal (cf. também Jr 18:11 e Lm 3:38; Am 3:6). Mas muitos outros textos das Escrituras nos informam que Deus não é mau (1 Jo 1:5), que ele não pode nem mesmo ver o mal (Hc 1:13), nem pode ser tentado pelo mal (Tg 1:13).
SOLUÇÃO: A Bíblia é clara ao dizer que Deus é moralmente perfeito (cf. Dt 32:4; Mt 5:48), e que lhe é impossível pecar (Hb 6:18). Ao mesmo tempo, sua absoluta justiça exige que ele puna o pecado. Este juízo assume ambas as formas: temporal e eterna (Mt 25:41; Ap 20:11-15).
Na sua forma temporal, a execução da justiça de Deus às vezes é chamada de “mal”, porque parece ser um mal aos que estão sujeitos a ela (cf. Hb 12:11). Entretanto, a palavra hebraica correspondente a “mal” (rá) empregada no texto nem sempre tem o sentido moral. De fato, o contexto mostra que ela deveria ser traduzida como “calamidade” ou “desgraça”, como algumas versões o fazem (por exemplo, a BJ). Assim, se diz que Deus é o autor do “mal” neste sentido, mas não no sentido moral – pelo menos não de forma direta.
Além disso, há um sentido indireto no qual Deus é o autor do mal em seu sentido moral. Deus criou seres morais com livre escolha, e a livre escolha é a origem do mal de ordem moral no universo. Assim, em última instância Deus é responsável por fazer criaturas morais, que são responsáveis pelo mal de ordem moral. Deus tornou o mal possível ao criar criaturas livres, mas estas em sua liberdade fizeram com que o mal se tornasse real. E claro que a possibilidade do mal (i.e., a livre escolha) é em si mesma uma boa coisa.
Portanto, Deus criou apenas boas coisas, uma das quais foi o poder da livre escolha, e as criaturas morais é que produziram o mal. Entretanto, Deus é o autor de um universo moral, e neste sentido indireto, ele, em última instância, é o autor da possibilidade do mal. É claro, Deus apenas permitiu o mal, jamais o promoveu, e por fim irá produzir um bem maior através dele (cf. Gn 50:20; Ap 21-22).
A relação de Deus com o mal pode ser resumida da seguinte maneira:
DEUS NÃO É O AUTOR DO MAL |
DEUS É O AUTOR DO MAL |
No sentido de pecado |
No sentido de calamidade |
Mal de ordem moral |
Mal de ordem não moral |
Perversidade |
Pragas |
Diretamente |
Indiretamente |
Concretização do mal |
Possibilidade do mal |
Nossas considerações finais:
Deus é bom, a luz, o bem, o supremo bem, o Pai das luzes, o ser santo, o Santíssimo Deus. Tudo que é bom vem de Deus, e que não é bom é exatamente o que está fora de rumo, fora de eixo, é errar o alvo, estar longe Dele, longe de Sua boa, perfeita e agradável vontade, é o contrário a natureza divina, o oposto derivado, o conseqüente, a morte.
O mal é o caos, a desordem, a ausência de Deus, não porque subsista sem Ele, todas as coisas Nele subsistem, mas pela liberdade concedida aos seres, foi-lhes permitido escolher o contrário, afastar-se de Deus, destituídos estão da gloria de Deus, separados do que bom e agradável, do que é perfeito, alheios a verdade, envolto em mentira, defecção, perversão, insensatez.
A origem do mal é a permissão, quando Deus decide criar seres moralmente livres, quando decide dar liberdade as criaturas o mal é permitido, dentro do bem da liberdade. O mal tem origem, enquanto possibilidade, quando Deus escolhe criar a nossa realidade, em que Cristo é o redentor do homens caídos, pervertidos, corrompidos, formando neles uma natureza espiritual. Mas o mal não acontece na permissão, o mal acontece quando o ser livre (contigente) decide praticá-lo, e não estamos tratando de forças externas ou internas, intrínsecas ou extrìnsecas as criaturas, como motivadores da vontade, mas quando a criatura livremente se rebela contra o seu criador, o mal toma forma, passa a existir, o que foi previsto e permitido acontece, a defecção torna-se realidade, o caos e a desordem destroem tudo, subjugam a criação, subjuga a vontade humana. Longe de nós atribuir a autoria do mal e do pecado a Deus. Em Deus, ontologicamente, seja por Sua Presença ou ação, as coisas existem puras, em ordem, santas, e longe Dele o que resta é o nada, o inútil, o repugnante, o mal.
“quem pratica o pecado é do diabo; porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do Diabo.” I Jo 3.8
“Todavia, toda solidão, ira, ódio, inveja e desejos nele contidos, se combinados numa só experiência e colocados na balança em oposição ao menor momento de gozo sentido pelo menor de todos no céu, não teria peso algum que pudesse ser registrado. O mal não pode ter êxito mesmo em ser mau, com tanta realidade como o bem é bom. Se todas as misérias do inferno viessem a colocar-se juntas diante daquele pequenino pássaro amarelo no ramo ali adiante, seriam engolidos sem deixar vestígios, como uma gota de tinta derramada no Grande Oceano do qual o seu Atlântico celestial não passa de uma simples molécula.” (C. S. Lewis – O grande abismo)
A graça e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo seja convosco, amém.
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