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opinião

A síndrome de Camboriú

Alegorismo na interpretação, triunfalismo no conteúdo, misticismo na concepção de espiritualidade, precarismo no conhecimento bíblico, espetacularização na performance e “breganização” das vestes

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Reteté
Reteté. (Foto: Reprodução / Youtube)

A síndrome de Camboriú pode ser definida como um sequestro da pregação pentecostal que se caracteriza por alegorismo na interpretação, triunfalismo no conteúdo, misticismo na concepção de espiritualidade, precarismo no conhecimento bíblico, espetacularização na performance e “breganização” das vestes. Reunidos esses sintomas, tem-se um verdadeiro paciente, embora eu creia que pacientes mesmo sejam os irmãos conservadores da doutrina que têm de conviver com os portadores de tal enfermidade, haja vista a glamourização da doença, incentivada por líderes que veem nisso alguma virtude ou algum benefício.

Assim como em outras síndromes, adota-se aqui uma qualificação relativa à cidade em que foi descoberta ou em que se evidenciou a doença – um exemplo famoso é o da síndrome de Estocolmo. Não fiquem, portanto, chateados os moradores de Camboriú-SC – se ficarem, utilizem a expressão equivalente “síndrome da última hora”.

Trata-se de fenômeno importante, que de modo nenhum pode ser desprezado, pois há anos vem formatando o modelo doutrinário-teológico, hermenêutico, homilético e idiossincrático de tantos jovens que se entendem por pregadores pentecostais. A tal ponto chegou a síndrome de Camboriú que o próprio pentecostalismo passou a ser visto por muitos como identificado com os sintomas da tal enfermidade, o que os pentecostais históricos não deveriam aceitar em nenhuma hipótese. Bem por isso, é necessário diagnosticar, reconhecer que existe, avaliar e interpretar o fenômeno, a fim de que ele possa ser enfrentado e combatido.

Passemos, pois, a uma descrição de cada um dos sinais dessa patologia:

Quanto ao alegorismo na interpretação, o que se tem na síndrome de Camboriú chega a ser pior que o método alegórico, pois este pelo menos obedece a uma lógica própria, qual seja, o entendimento de que as Escrituras possuem um sentido oculto, “espiritual”, subjacente às palavras. A seu turno, o alegorismo da última hora é como um arremedo do método alegórico, uma farsa que sucede à tragédia, uma simples manipulação das palavras ao bel-prazer de quem fala, sem compromisso com a verdade. Para um adoecido pela síndrome de Camboriú, as passagens bíblicas são ferramentas que se podem utilizar de qualquer maneira, disponíveis à retórica mais abusada, ordinariamente com o fito de emocionar a plateia.

O triunfalismo do conteúdo abebera-se de uma hinologia de “Só vitória!” e de resquícios da Teologia da Prosperidade, uma praga que já nos deu mais trabalho em tempos pretéritos, mas que ainda produz seus efeitos. Assim como no caso do alegorismo interpretativo, o triunfalismo característico da síndrome de Camboriú não é sistemático, não observa cânones conceituais, planando livremente por sobre a cabeça inventiva do pregador, cuja imaginação costuma ser muito criativa. Eles prometem coisas que Deus não prometeu; gostam de falar nos “sonhos de Deus”; confundem o dom de profecia com a repetição de declarações baseadas no desejo; enfim, substituem o culto a Deus pelo culto a cada homem – por isso é subjetivismo; se fosse culto à humanidade, à natureza humana, seria antropocentrismo, outro tipo de idolatria.

O misticismo na concepção de espiritualidade, outro sintoma da síndrome de Camboriú, advém de um pseudopentecostalismo que atende pelos nomes de “reteté de Jeová”, “meninice”, “fogo estranho” e “carismania”, e que também podemos classificar como “teologia do manto”. Essa deturpação do exercício dos dons espirituais veio ao Brasil, de forma acentuada, por volta da década de 90, e tem inspiração, por exemplo, na “Bênção de Toronto”. O misticismo pseudopentecostal inclui “cair no poder”, dançar, gritar, urrar, rir descontroladamente, saltar, abrir os braços e sacudi-los, marchar, rodar, imitar animais, fazer caras e bocas afetando êxtase. Com a síndrome de Camboriú, o problema, que já era bizarro, mas se mantinha em setores periféricos, ganhou a ribalta.

O precarismo do conhecimento bíblico consiste num sintoma bem curioso da síndrome de Camboriú: se antes os pregadores pentecostais, em sua média, eram conhecidos pelo anti-intelectualismo, também é verdade que havia muito mais conhecimento da Bíblia, muito mais conhecimento da história da salvação e das principais doutrinas cristãs. Agora, o que acontece é que pregadores da última hora sacam de livros e da internet alguns conceitos e recursos técnicos, às vezes de grego e hebraico, para sedução do público, ao mesmo tempo em que demonstram, aos olhos de um entendedor mínimo, desconhecimento teológico, falta de identidade doutrinária, descompromisso com a história da salvação e uma cultura geral deficiente. Assim, substituem o simples desapreço pelo estudo por uma aparência de intelectualidade, o que é igualmente… desapreço pelo estudo, mas consegue ser muito pior do que aquilo que veio substituir.

A espetacularização na performance está associada, claro, ao misticismo na concepção de espiritualidade, mas há aqui um elemento singular, relacionado ao personalismo do pregador, à sua vaidade, ao marketing pessoal, ao emocionalismo, à lavagem cerebral, à psicologia das massas, à sugestão, ao business, a todo o encanto forjado para assaltar os corações dos incautos, dos que não vão renunciar à “bênção”.

A “breganização” das vestes (perdoem-me o neologismo), derradeiro sintoma da síndrome de Camboriú, é um capítulo à parte: ternos de cor chamativa e diferenciada, sapatos multicoloridos de bico finíssimo, coletes à prova de bom gosto, anéis de saturno, calças “embaladas a vácuo”, cabelos próprios de metrossexuais – tudo isso contribui para que o pregador apareça, ainda que ele diga o contrário. Vestir-se como um homem comum, de terno e gravata, seria atestado de pouca unção?

Diferentemente do que alguns pensam, a síndrome de Camboriú (ainda) não caracteriza a essência do Movimento Pentecostal brasileiro, pois (a) documentos oficiais (como declarações de fé, decisões convencionais, literatura denominacional) condenam práticas que ora caracterizamos como sintomas da síndrome; (b) a massa evangélica pentecostal é heterogênea, e dentro dela existe um grande contingente de irmãos que insistem em manter a fé pentecostal ortodoxa, especialmente os irmãos que conhecem a doutrina e frequentam a escola bíblica dominical; (c) o movimento da última hora é historicamente recente, havendo tempo, portanto, para analisá-lo e confrontá-lo de forma eficaz; (d) em termos teológicos, doutrinários, históricos, litúrgicos, hermenêuticos e homiléticos, o pentecostalismo, como um todo, não pode ser definido pelos moldes de Camboriú; (e) eventuais interesses outros precisam ser identificados e denunciados, pois a fé pentecostal não pode ser sequestrada por um espetáculo histriônico e superficial como esse.

Portanto, sinto-me autorizado a afirmar que um dos maiores desafios da Igreja brasileira – não só pentecostal, mas da igreja brasileira em seu conjunto – será imposto pela perspectiva advinda de Camboriú, porque não se podem desconsiderar os males provenientes de um fenômeno que avança sobre o maior movimento eclesiástico do país (pentecostal e “neopentecostal”), potencializando-se pelas redes sociais, congressos, festas e atividades variadas.

Recuso-me a cruzar os braços. Mas precisamos de muitos soldados, de um numeroso exército de irmãos conscientes da necessidade de enfrentarmos essa doença. Hoje os acometidos pela síndrome de Camboriú são pregadores convidados. Daqui a pouco eles poderão ser nossos pastores. E então? O que será de nós?

Ministro do Evangelho (ofício de evangelista), da Assembleia de Deus em Salvador/BA. Co-pastor da sede da Assembleia de Deus em Salvador. Foi membro do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Fraternal dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Estado da Bahia, antes de se filiar à CEADEB (Convenção Estadual das Assembleias de Deus na Bahia). Bacharel em Direito.

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