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Apostasia – uma análise das Cartas a Timóteo

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Apostasia – uma análise das Cartas a Timóteo

“Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios;” 1 Timóteo 4:1

Ouço/leio muitos textos sobre a doutrina da Perseverança dos Santos. São comuns perguntas do tipo:

Uma vez salvo, salvo para sempre?

Pode um eleito se perder?

Um crente pode perder a salvação?

Qual o significado da palavra “apostasia”, 2 Ts 2.3, e de tantas advertências a perseverança na fé, até o fim? Mt 10.33,  24.13, Mc 13.13, Hb 3.6, 3.14, 6.11

Exemplos:

“Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo.” Mt 24.13

“E sereis odiados por todos por amor do meu nome; mas quem perseverar até ao fim, esse será salvo.” Mc 13.13

“Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim.” Hebreus 3:14

 

Pretendemos ajudar a esclarecer estas dúvidas.

  1. Iniciaremos com o significado e a raiz da palavra “apostatarão” utilizada no texto de I Tm 4.1

Segundo o Dicionário bíblico de Grego e Hebraico, James Strong, “aphistemi” (αφιστ ημι) Significa : 1) fazer retroceder, fazer afastar-se, remover, excitar à revolta; 2) retroceder, manter-se de lado, ir embora, deixar alguém, abandonar, afastar-se de alguém, abandonar, tornar-se infiel, afastar-se de, fugir de, parar de atormentar alguém, afastar-se de, abandonar, guardar-se de, ausentar-se de;

 

A palavra “aphistemi” deriva de “apostasia” que significa: 1) separação, deserção, apostasia.

E por sua vez αποσ τασιο ν apostasion, que representa  1) divórcio, repúdio 2) uma carta de divórcio.

Utilizando o dicionário Léxico Grego/Português, F. Wilbur Gingrich, αποστασία, ας, ή Significa: rebelião, abandono, apostasia At 21.21; 2 Ts 2.3.

Qualquer que seja o sentido escolhido como significado, o mais claro indicativo é de separação, apartar-se, divorcia-se, trazendo um sentido definitivo ou de estado de deserção, abandono.

 

Voltando ao texto de I Tm 4.1 “Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé…”

 

Outro sentido não pode ser aplicado, a não ser o de deserção, abandono, divórcio com a fé. Por mais que alguém tente amenizar o significado do termo para indicar um esfriamento espiritual, isto não é compatível com nenhum dos sentidos e modos de uso das palavras acima descritas. Por outro lado, só pode apartar-se quem esteve junto, divorciar-se, o casado, abandonar quem estava presente, quem era participante, então em qualquer sentido escolhido, trata-se de que antes a pessoa esteve unida a Cristo, a fé, junto, participando e deixou, se apartou, divorciou-se.

  1. Instruções a Timóteo

O contexto da Carta de Paulo a Timóteo é o de instrução, de um líder mais experiente para um líder mais jovem, é o repartir experiências. Na 1ª Epístola uma Carta amorosa de um pai (na fé) para o filho, e um tom de despedida na 2ª Carta, isto porque o Apóstolo Paulo escreveu a segunda epístola já ciente da proximidade de sua morte. II Tm 4.6-7

Os objetivos das Cartas são claros, fortalecer e transmitir experiências. Então vejamos alguns textos relacionados à apostasia.

Himeneu e Alexandre

“Este mandamento te dou, meu filho Timóteo, que, segundo as profecias que houve acerca de ti, milites por elas boa milícia; Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé.
E entre esses foram Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar.” 1 Timóteo 1:18-20

Este primeiro texto mostra-nos muito claramente que Paulo encontrou dois irmãos que posteriormente “fizeram naufrágio na fé”, apostataram, se apartaram da fé, e a consequência é que o apóstolo diz que os entregou a Satanás, em um sentido de que os deixou a própria sorte.

Na segunda Carta, novamente aparece uma citação sobre Himeneu, vejamos:

“Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade.
E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto;
Os quais se desviaram da verdade
, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns.” 2 Timóteo 2:16-18

Mais cristalino que isso, eu não faço ideia como seria possível, “os quais desviaram-se da verdade”, isto é, porque um dia estiveram nela, e “perverteram a fé de alguns”. Mas não é isto que foi dito em I Timóteo, que alguns apostarão da fé? E Paulo torna a destacar esta realidade observada na vida de Himeneu e Fileto. A orientação é para que se afaste de tais desertores.

2. Conselho: “Tem cuidado de ti mesmo”

Outra dica do apóstolo Paulo ao discípulo Timóteo diz respeito a sua vida pessoal, a perseverança pessoal.

A conclusão do capítulo 4, da primeira epístola, que iniciou advertindo sobre a apostasia de alguns é:

Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem.” 1 Tm 4.16

Percebemos que Paulo quer deixar muito claro que devemos tomar cuidado com os perigos espirituais e ser zelosos com a doutrina, para que nós mesmos não venhamos a ser vitimas da apostasia.

A conclusão da 1ª Carta: “Ó Timóteo, guarda o depósito que te foi confiado, tendo horror aos clamores vãos e profanos e às oposições da falsamente chamada ciência,
A qual professando-a alguns, se desviaram da fé. A graça seja contigo. Amém.”
1 Tm 6.20-21

É uma clara advertência a perseverança, “guarda o depósito”, (2 Tm 1.12,14)  “a qual professando-a alguns, se desviaram da fé”, ou seja, um dia estiveram nela, mas se desviaram, apostataram.

Amados, “se desviar da fé!” Isto também foi mencionada pelo Apóstolo Tiago:

“Irmãos, se algum DENTRE VÓS se tem desviado da verdade, e alguém o converter,
Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados.”Tg 5:19-20

Algo semelhante ao relatado em At 13.8 “Mas resistia-lhes Elimas, o encantador (porque assim se interpreta o seu nome), procurando apartar da fé o procônsul.” 

“Tem cuidado de ti mesmo”.

“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” 2 Tm 2.15  

“Mas tu, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério.”  2 Tm 4.5

E novamente cita o infeliz do Alexandre, companheiro de Himeneu:

“Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague segundo as suas obras. Tu, GUARDA-TE também dele, porque resistiu muito às nossas palavras.”
2 Tm 4.14-15

Pois bem, eu não sei como você (irmão, leitor) vê (ou via) a questão da apostasia, mas ao que percebemos para Paulo era algo muito sério e verdadeiro, que Ele viu acontecer na Prática com Himeneu, Fileto e Alexandre, e advertiu ao jovem e amado pastor Timóteo a respeito, e a ter cuidado, vigiar, guardar o depósito, se afastar dos corruptores da fé, dos que naufragaram na fé, se afastar daqueles que se desviaram.

3. Principais objeções – análise teológica do tema “apostasia”.

A doutrina “Perseverança dos Santos”, popularmente conhecida como “uma vez salvo, salvo para sempre”, é erroneamente atribuída aos calvinistas, quando na verdade é (mais propriamente) uma doutrina dos  arminianos de 4 pontos, presente na teologia, por exemplo, de Norman Geisler, Edgar Young Mullins, e Henry C. Thiessen.

 

No arminianismo clássico, aquele que afirma que o crente pode desertar da fé, como os textos acima nos deixaram claro, a segurança é “Em Cristo”, Nele, ou enquanto Nele estamos seguros. Apartados (aphistemi), só resta condenação.

 

O Calvinista R. C. Sproul diz que a Perseverança dos Santos, ou seja, a doutrina que ensina que os santos de Deus hão de perseverar até o fim, na verdade, no âmbito da teologia calvinista, deveria ser denominada “Preservação dos Santos”, isto porque (para um calvinista) não é o santo/crente que persevera, como se algo de sua vontade estivesse envolvido no processo, mas Deus o livra da destruição conforme a eleição incondicional. Eu discordo diametralmente do calvinismo, mas concordo com o raciocínio do Sproul, é mais apropriado aos calvinistas denominar-se defensores da Preservação dos Santos e não da “Perseverança”, pois quem persevera é o crente.

4. Principais dúvidas e objeções

a)      Uma vez salvo, salvo para sempre?

RESPOSTA

A própria pergunta é confusa. É muito comum calvinistas fazerem trocadilhos e mal uso de palavras, acredito que involuntariamente o fazem, mas vejamos bem, “salvo de quê”? Paulo disse que Timóteo salvaria a ele mesmo e aos ouvintes se perseverassem na doutrina. I Tm 4.16. Salvaria de quê? Da apostasia. I Tm 4.1

Na pergunta ocorre o mal uso da palavra “salvo”.

Exemplo: Alguém pode estar a salvo agora em sua casa, bem guardado e amanhã ao andar pela rua, com tanta violência, não sentir-se (e nem encontrar-se) tão a salvo assim. Deus é nossa segurança, só Ele.

No que diz repeito a fé, a nossa segurança e fortaleza é Cristo, longe dele não estamos a salvo, pessoas podem louvá-lo hoje e negá-lo amanhã, quantas vezes vimos isto?

Como muito bem asseverado pelos remonstrantes arminianos e pelos metodistas posteriores a segurança está em Cristo, e não fora dele, e não em algo misterioso, mas na certeza que temos em Cristo.

“Mas Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim.” Hb 3.6

“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel, para se apartar do Deus vivo.
Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado;
Porque nos tornamos participantes de Cristo, SE retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim.” Hb 3.12-14

Se o “salvo” refere-se a estado final, é claro que estado final só pode ser verificado ao final, os que perseveraram, mas se “salvo” refere-se ao agora, seguros estamos somente em Cristo, se permanecermos até o fim. Hb 3.6, 3.14, 6.11  Não nos firmamos em uma eleição incondicional, predestinação ou outra ideia humana, mas em Cristo, SE (condicional) Nele, então estamos seguros.

E quanto ao Retroceder?

A Bíblia é muito clara neste assunto, Deus não tem prazer naquele que retrocede.

“Mas o justo viverá pela fé; E, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele. Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma. Hb 10.38-39

“E Jesus lhe disse: Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus.” Lc 9.62

 

 

b) Pode um crente “perder a salvação”?

Vemos aqui outro mal uso de termo, agora a palavra “perder“ ou da expressão “perder a salvação”. Veja bem, isto não ocorre na Bíblia, ninguém perde a salvação, a salvação é para aquele que perseverar até o fim, se morremos em Cristo seremos salvos, esta  é a promessa.

Uma pessoa pode ser crente, nascer de novo, e vir a naufragar na fé, vide Himeneu e Alexandre. I Tm 1.19. Pode ser crente e se desviar. Tg 5.19-20, apartar-se, apostatar.

“Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, E provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, E recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério. “ Hb 6.4-6

Um dos textos mais claros a respeito do tema é o capítulo 2 de II Pedro.

“E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição.” 2 Pedro 2.1

“Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo, pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro.
Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado;
Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama. 2 Pd 2.20-22

 

Por que confusão de termos?

O uso da expressão “perder a salvação” leva a um entendimento de algo volátil, frágil, de pouco valor, quando nós na realidade temos uma aliança feita no sangue puro de nosso Senhor Jesus Cristo, isto não é volátil, frágil, mas sim, forte. E por outro lado, ainda pior, sugere que é algo conquistado por um possuidor, detentor, sob o domínio e poder puramente humano. Nada disto, biblicamente, é verdadeiro, por isso considero o uso do termo inapropriado.

“Salvo”, no que diz respeito a morador do céu, herdeiro das promessas, é somente aquele que persevera até o fim, mas o crente pode morrer e naufragar na fé, se não vigiar, se não tiver cuidado de si mesmo. Pode experimentar os dons espirituais, ser participante da mesa do Senhor e ainda assim vir a apostatar.

C) Um eleito pode deixar de ser salvo?

Mais uma vez, espero que já esteja ficando claro o fato, há uma confusão de termos. “Eleito” é condição final, Deus fala assim dos salvos, dos que Ele sabe que se salvarão, as vezes falamos assim de nós mesmos, pela fé, e ninguém sabe quem e quantos são, e isto não tem qualquer relação com a incondicionalidade defendida por calvinistas, mas apenas com o fato de Deus conhecer todas as coisas antes de que tudo tenha sido criado. At 15.18, I Pe 1.2.

Reiteramos, um crente fervoroso, cheio do Espírito de Deus (Ex: Saul), pode vir a apostatar, mas “eleito” é condição final, é como “o  salvo”, eleito é quem persevera em Cristo até o fim.

Então, chegamos ao fim de mais uma meditação, espero que tenha sido uma benção e tenha ajudado a tirar algumas dúvidas, e fica o conselho de Paulo para nós:

“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem.” 1 Tm 4.16

Graça e Paz.

 

Pastor, especialista em Ciências da Religião, Teólogo, MBA em Gestão Pública e Gerência de cidades, graduado em Gestão Pública, instrutor, Analista Administrativo e Escritor.

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