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Especialistas analisam impacto do crescimento evangélico na política

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política - Milhões de evangélicos foram às ruas para a Marcha para Jesus 2023 no Brasil

Os dados do Censo Demográfico 2022, divulgados no início de junho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciam transformações significativas no campo religioso do país. O levantamento mostra a continuidade da redução do número de católicos, o crescimento — embora em ritmo mais lento — dos evangélicos, o aumento expressivo de adeptos de religiões de matriz africana e o avanço dos que se declaram sem religião.

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As mudanças não se restringem ao campo demográfico, mas sinalizam realinhamentos sociais e políticos com potencial para impactar diretamente o eleitorado e a ocupação de cargos estratégicos no Estado brasileiro.

Redução entre católicos e crescimento evangélico

Segundo o IBGE, os católicos seguem como o maior grupo religioso do país, representando 56,7% da população em 2022, o equivalente a cerca de 100,2 milhões de pessoas. Em 2010, esse número era de 105,4 milhões (65,1%) e, em 2000, de 74% da população. O dado revela uma trajetória contínua de retração ao longo das últimas décadas.

No sentido oposto, os evangélicos apresentaram crescimento. Em 2000, eram 15% da população brasileira; em 2010, 21,6%; e em 2022, 26,9%, totalizando 47,4 milhões de fiéis. A desaceleração do ritmo de crescimento, no entanto, foi observada: de 6,6 pontos percentuais na década de 2000 para 5,3 pontos na década seguinte.

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Também cresceram os que se declararam sem religião (de 7,9% em 2010 para 9,3% em 2022), além dos praticantes de umbanda e candomblé, que passaram de 0,3% para 1,0%. Outros grupos religiosos diversos aumentaram de 2,7% para 4,0%. O espiritismo registrou queda, de 2,2% para 1,8%. Religiões de tradições indígenas permaneceram estáveis, representando 0,1% da população.

Diversidade católica

Apesar de ainda majoritários, os católicos compõem um grupo diverso e de difícil categorização política unificada. De acordo com a cientista política Priscila Lapa, doutora pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a adesão à fé católica muitas vezes não implica em participação ativa nos rituais ou instituições, mas se manifesta em elementos culturais e valores que influenciam decisões eleitorais.

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Segundo ela, “a Igreja Católica tem essa característica de unicidade, mas, ao mesmo tempo, de mais flexibilidade na frequência dos seus rituais. Isso talvez impeça que a gente consiga perceber de uma forma mais sistemática ou mais blocada o que seria o voto católico, o comportamento eleitoral católico”.

O professor Antonio George Paulino, da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que o universo católico é “multifacetado” e abriga correntes distintas, como a Renovação Carismática, de orientação mais conservadora, e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), ligadas à teologia da libertação e alinhadas a pautas sociais. Segundo ele, o falecido papa Francisco, que morreu em abril deste ano, “queria uma Igreja mais aberta ao espírito das CEBs”, atuando em solidariedade com os movimentos sociais.

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Para ambos os especialistas, em temas morais como o aborto e a definição da família, católicos e evangélicos compartilham posicionamentos conservadores. “Não há disputa entre evangélicos e católicos no parlamento: são forças aliadas”, afirma Paulino. Ainda assim, Priscila Lapa lembra que existem segmentos progressistas dentro da Igreja Católica, com posicionamentos menos radicais diante da agenda nacional.

Influência política

No campo evangélico, os especialistas observam uma maior homogeneidade política. “É possível criar com mais facilidade uma grande categoria do voto evangélico”, analisa Priscila Lapa, destacando a força das denominações que atuam em regiões onde o Estado está ausente, suprindo carências materiais e sociais.

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Essa inserção se traduz em crescimento político. O pesquisador André Ítalo Rocha, autor do livro A Bancada da Bíblia, afirmou em entrevista ao Diário do Nordeste que, desde a redemocratização, o número de parlamentares evangélicos aumentou de 32 para cerca de 90 a 100 deputados federais — de um total de 513 — e entre 10 a 15 senadores, num total de 81. Rocha investiga como o braço político das igrejas evangélicas atua dentro do Congresso Nacional.

Segundo George Paulino, esse movimento institucional ganhou força nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1980. Durante os governos Lula e Dilma, foram sancionadas leis de reconhecimento da cultura evangélica no Brasil, evidenciando a negociação política entre igrejas e Estado laico.

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O auge da influência evangélica ocorreu com a eleição de Jair Bolsonaro (PL), em 2018. O ex-presidente manteve estreito relacionamento com pastores, defendeu pautas caras aos evangélicos e indicou o ministro André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal, destacando que ele era “terrivelmente evangélico”.

Segundo Lapa, o discurso evangélico possui forte base doutrinária, associando comportamentos ao binômio “bem e mal”. “Além do mais, há alguns costumes de não frequentar locais tidos como inapropriados, como Carnaval e São João, que compõem a identidade cultural”, observa. Isso, segundo ela, gera uma segregação que fortalece a coesão interna, mas também afasta do diálogo com outras tradições.

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Conflitos e desafios

Paulino avalia que esse viés conservador e fundamentalista resulta em casos de intolerância religiosa contra as religiões de matriz afro-brasileira: “O fundamentalismo evangélico resulta em perseguição às manifestações religiosas afro-indígenas e afro-brasileiras, como umbanda e candomblé, no esforço de reproduzir o apagamento histórico imposto pela colonização”, acusou.

Um dos pontos que mais chamou atenção dos analistas no Censo 2022 foi a redução no ritmo de crescimento dos evangélicos: “Esse processo da radicalização que abateu o Brasil fez muita gente se sentir dentro do ápice da discussão política […] isso pode ter gerado uma fadiga do processo”, avaliou Lapa.

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Além disso, Paulino apontou o aumento do número de jovens que optam por uma espiritualidade livre de vínculos institucionais. Casos de escândalos envolvendo lideranças religiosas, como denúncias de pedofilia, corrupção e abuso, também teriam contribuído para o descrédito institucional.

A evolução do perfil religioso do Brasil, conforme revelada pelo Censo 2022, indica não apenas uma mudança nas crenças pessoais, mas uma reconfiguração nas dinâmicas de poder, de representação e de influência sobre a sociedade e o Estado.

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