opinião
Inferno (Parte 1)
Muitas pessoas duvidam que Deus é realmente bom e amoroso tão logo o inferno seja uma realidade verdadeira.
Existe uma grande quantidade de mal no mundo atual. Na verdade, o mal está presente desde o início da história humana, distorcendo o propósito original de Deus. É impossível dizer que tudo é apenas objetivamente bom, belo e agradável. Existem atrocidades que exigem coragem até para descrever. O presente artigo não tem, no entanto, o objetivo de explicar a origem do mal nem a lógica de sua existência – ele o pressupõe como autoevidente. Este artigo irá defender a visão bíblica da existência do inferno como forma de punir o mal, logicamente necessária em vista do amor de Deus. Isso será feito explicando brevemente a coerência da punição, a visão bíblica sobre o inferno (parte 1), sua lógica e seu propósito (parte 2).
Punição
Muitas pessoas duvidam que Deus é realmente bom e amoroso tão logo o inferno seja uma realidade verdadeira. Como Feinberg bem colocou, “de acordo com [alguns], o mero fato do inferno, caso ele exista e tenha as qualidades que os teístas tradicionais afirmam ter, torna improvável que haja um Deus todo-amoroso e onipotente.”[1] No entanto, há uma lógica clara e justificável por trás da prática de punir o mal que muitas pessoas não entendem. Para alguns, a primeira coisa que vem à mente quando visualizam Deus punindo o mal é a imagem de um ser maligno, cheio de ira, eventualmente com um sorriso no rosto. Mesmo os Calvinistas às vezes – com o devido respeito aos cristãos sinceros que se rotulam como Calvinistas sem conhecer todas as implicações soteriológicas – retratam Deus como alguém que tem prazer em mandar pessoas para o inferno, afirmando que esta é a maneira que ele encontrou para ser glorificado.[2] O castigo é apenas uma consequência natural de uma decisão livre e deve acontecer para o bem dos entes queridos. O castigo, de fato, existe por causa do amor. É devido ao amor de Deus que qualquer agente que traz destruição a seus entes queridos deve ser, em última instância, separado deles. Caso contrário, infligir o mal a inocentes seria uma prática eterna, e até mesmo seres humanos limitados percebem que isso seria um desastre. Na atualidade, a punição temporária tem (deveria, pelo menos) o objetivo de levar a pessoa ao arrependimento. No entanto, quando o arrependimento não ocorre, a separação deve ocorrer, e acho que esse é o tipo de punição que as pessoas más e impenitentes acabarão enfrentando. Não tê-las julgadas e eternamente separadas seria um ato maldoso da parte de Deus, e por definição Deus não pode ser mal, injusto, ou deixar de agir pelo seu amor. Até mesmo quando assumiu a culpa pela humanidade na cruz do Calvário, a punição não deixou de ser aplicada – apenas foram substituídos os infratores pelo Filho de Deus. Deus sofreu a condenação eterna naquele momento para que pudéssemos não sofre-la no futuro, mas quem rejeitar essa graça deliberadamente acabará por assumir sua própria culpa, o que invalida a aliança de Deus e destina o indivíduo para o local que ele mesmo escolheu: ausente da presença de Deus.
Definição e suporte bíblico
De maneira simples e direta, o inferno é um verdadeiro lugar de tormento. Este tormento é retratado como escuridão e fogo, afim de descrever a agonia de estar permanentemente ausente do Espírito de Deus. Se uma pessoa vai queimar como uma salsicha na grelha, eu duvido. Além disso, não há como ter escuridão e fogo ao mesmo tempo. Ao que parece, Jesus está usando linguagem figurada para descrever os terríveis tormentos psicológicos/espirituais deste local. Quem, de fato, conhece brigas, dores sem propósito e ira manifestada de forma destrutiva no tempo presente já tem uma boa ideia do que este lugar possa ser. Como os cristãos experimentam uma esfera do céu na presença de Deus através da comunhão uns com os outros, onde o amor é expresso, a ausência dele – a ambição egoísta e desamorosa, temperada com raiva e rebelião – é uma indicação deste infeliz local.
A primeira coisa que uma pessoa deve saber sobre o inferno é que a Bíblia fala claramente dele – e fala muito. Além disso, o próprio Jesus, a personificação do amor e da palavra de Deus, falou sobre este lugar várias vezes durante seu ministério. Usando o termo Hades, por exemplo, ele disse que Cafarnaum, que não acreditava em Cristo em face de seus milagres, iria descer até ela (Mt 11: 23 – Lucas 10:15); as portas do Hades não prevaleceriam contra a Igreja (Mt 16:18); as pessoas sofreriam lá e buscariam uma maneira de escapar disso (Lucas 16:23)[3]; Ele agora possui a chave do Hades (Ap 1:18); O Hades seguirá a Morte no fim dos tempos (Ap 6: 8); e Hades vai entregar os mortos para julgamento e será finalmente lançado no lago de fogo (Ap 20:13-14). Ao usar o próprio termo “Inferno”, Jesus diz às pessoas que uma pessoa pode terminar sua vida lá se fizer o mal intencionalmente sem arrependimento (Mt 5:22-29; 30-18:9 – Marcos 9:43; 45; 47); que Deus pode enviar pessoas a ele (Mt 10:28 – Lucas 12: 5); e que os falsos religiosos estão condenados a isso (Mt 23:15; 33). Tiago, meio-irmão de Jesus disse que a língua é inflamada pelo inferno (Tiago 3:6), e o apóstolo Pedro, que Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os enviou à este lugar (2 Pd 2:4 ). Jesus também se referiu como “trevas exteriores”, como vemos em Mt 8:12, Mt 22:13 e Mt 25:30.
A categorização bíblica do inferno por C. S. Lewis parece legítima. Ele disse: “Nosso Senhor fala do Inferno sob três símbolos: primeiro, o da punição (Mt 25:46); segundo, o da destruição (Mt 10:28); e em terceiro lugar, o da privação, exclusão ou banimento para as ‘trevas exteriores’, como nas parábolas do homem sem roupa nupcial ou das virgens sábias e tolas.”[4] Feinberg segue a mesma linha: “Primeiro, o inferno é um lugar específico. Não é apenas um símbolo de punição; é um lugar real de julgamento […] Um segundo elemento da doutrina do inferno é que envolve tanto a morte física quanto espiritual e é um lugar de tormento […] O terceiro ponto na doutrina tradicional do inferno explica quem vai lá [ …] Quarto, a doutrina tradicional do inferno é muito explícita sobre quanto tempo dura essa punição; o inferno é uma punição sem fim […] Finalmente, a visão tradicional do inferno afirma que ser lançado no inferno é um ato de justiça retributiva de Deus. Decorre da santidade e justiça de Deus.”[5]
Para resumir, a definição bíblica de inferno é a de um lugar de sofrimento eterno para os mortos físicos e espiritualmente, que foi projetado para punir os anjos rebeldes, mas ampliado devido aos seres humanos ímpios que os seguiram, que rejeitaram livremente a Deus e seu perdão, recebendo a recompensa devida por suas más ações e escolha obstinada.
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Notas
[1] John S. Feinberg, The Many Faces of Evil (Revised and Expanded Edition): Theological Systems and the Problems of Evil (Wheaton, Illinois: Crossway, 1994), 398. Traduzido livremente.
[2] É difícil conceber que Deus precisaria mandar pessoas para o inferno para ter glória. Deus, propriamente apreendido, não precisa de mais glória, Ele tem toda a glória que é possível ter. Ele não precisa fazer mais nada para ter “mais glória”, pois Ele é a fonte de toda glória possível. A única coisa que Deus se reduziu a ter é a possibilidade de se relacionar, por amor, com as criaturas livres que fez à sua imagem; Ele se esvaziou de sua glória para tornar possível o relacionamento entre os homens e Deus. O principal objetivo de Deus sempre foi o amor, não “mais glória.” É por isso que muitos estudiosos entendem que o Calvinismo vende uma imagem ruim e distorcida de Deus, o qual, de acordo com essa doutrina, envia pessoas predeterminadas para estar eternamente no inferno por seus próprios motivos de se “auto glorificar”. Este não parece ser o Deus da Bíblia.
[3] A parábola de Lazaro é considerada uma das mais claras descrições deste local de tormento.
[4] C. S. Lewis, The Problem of Pain. In The Complete C. S. Lewis Signature Classics. New York: HarperCollins, 2002, 418-419. Traduzido livremente.
[5] John S. Feinberg, The Many Faces of Evil (Revised and Expanded Edition): Theological Systems and the Problems of Evil (Wheaton, Illinois: Crossway, 1994), 399-404. Traduzido livremente.
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