estudos bíblicos
O crescimento do Reino de Deus
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 3 do trimestre sobre “As Parábolas de Jesus”
No estudo de hoje trabalharemos com duas breves parábolas de Jesus, as mais curtas dentre todas as contadas por Jesus: a parábola do grão de mostarda e a parábola do fermento que leveda a massa. São duas “parábolas gêmeas”, já que trazem uma mensagem muito parecida, embora o referencial histórico-cultural não seja o mesmo.
Ambas as parábolas tendem a tratar através de uma similitude ou símile (isto é, semelhança, comparação) duas características importantes do reino de Deus: sua presença real, embora invisível, neste mundo e seu inerente “poder autoprogressivo” – para usar uma expressão do teólogo Alford [1]. Ou seja, o reino divino que já está entre nós e que tende a crescer até alcançar domínio total e pleno.
I. Interpretação das parábolas
Como são parábolas curtas, e visto que não devemos nos prender a detalhes para não exagerarmos o sentido da mensagem pretendida por Jesus, também não precisaremos nos alongar muito na interpretação delas, embora seja importante situarmo-nos culturalmente nestas parábolas. Ressalte-se já que a interpretação destas parábolas tem um sentido geral que é compreendido quase que unanimemente pelos comentaristas bíblicos; todavia, como Jesus não deu a interpretação delas, como fez na parábola do semeador, é comum que os teólogos busquem ver mais do que há no texto bíblico e acabem divergindo no sentido de um detalhe ou outro das parábolas. O exegeta Grant Osborne dizia que o teólogo costuma ver mais no texto do que o texto realmente está dizendo. Precisamos cuidar com isso!
- A parábola do grão de mostarda
Jesus compara o reino de Deus (atente: “reino de Deus”, e não “igreja”, já que o reino de Deus é maior e mais abrangente que a igreja, embora a inclua) a semente de mostarda, que, semeando-se na terra, “é a menor de todas as sementes que há na terra”, mas tendo sido semeado, cresce, se torna “a maior de todas as hortaliças”, com grandes ramos nos quais as aves dos céus vêm se aninhar.
1.1. Questão cultural
Segundo o Dicionário Bíblico Ilustrado [2], a mostarda é uma planta que crescia ao longo de beiras de estrada e em campos, chegando a ter quase 5 metros de altura. A mostarda negra da Palestina parece ser a espécie à qual Jesus se referiu. Suas sementes eram cultivadas, tanto por causa de seu óleo, como com propósitos culinários.
Sobre a pequenez da semente de mostarda (para depois contrapormos com seu fenomenal crescimento), Snodgrass explica que
“As pessoas que fazem a medição dessas sementes informam que o grão de mostarda tem um milímetro de diâmetro e é tão pequeno que são necessárias de 725 a 760 sementes para se chegar ao peso de 1 grama” [3]
1.2. Linguagem proverbial
Se quisesse ser rigorosamente científico, Jesus não teria dito que o grão de mostarda é a menor de todas as sementes que há na terra. De fato, não é, e Jesus, Co-autor da Criação (Jo 1.1-3; Cl 1.15-20) e conhecedor de todas as sementes da terra, com toda certeza sabia disso. Entretanto, Jesus não está falando rigorosamente como um cientista numa aula de botânica em Harvard ou na USP, mas como um pregador ou pedagogo que se utiliza de linguagem proverbial para ensinar verdades sublimes aos seus ouvintes mais modestos. Snodgrass nos informa que “tanto no mundo judeu quanto no greco-romano, o grão de mostarda era proverbialmente conhecido pelo seu pequeno tamanho, apesar de se saber que outras sementes, como a da orquídea ou de cipreste, eram ainda menores” [4].
1.3. A explicação
Dentro do mesmo contexto em que nos situamos na parábola do semeador, o uso da parábola do grão de mostarda ocorre para reafirmar a certeza de Jesus de que ao final o reino de Deus alcançará o fim pretendido e assim reforçar a esperança dos discípulos quanto à expansão do reino de Deus entre os homens, a despeito da rejeição imediata de muitos.
Se a parábola do semeador tinha como foco os diferentes solos sob os quais a semente da Palavra de Deus é lançada, a parábola do grão de mostarda foca no caráter progressivo do reino de Deus em si, acima de todas as adversidades. Como a semente de mostarda que, a despeito de pequena, tem o potencial de desenvolver-se uma vez semeada, assim o reino de Deus, uma vez “semeado” na terra (“o reino de Deus está entre vós” – Lc 17.21), este reino somente crescerá verticalmente (para com Deus) e horizontalmente (entre os homens). Não importa se enfrentando a oposição dos judeus no primeiro século, se enfrentando a oposição do império romano no segundo século, ou se enfrentando a oposição do islamismo ou do comunismo no século presente… o reino de Deus crescerá!
Vale enfatizar que esta parábola não propõe apenas tratar do crescimento numérico ou da expansão geográfica da Igreja, o que de fato se pode notar desde Atos dos Apóstolos, quando antes da descida do Espírito Santo, encontramos 120 irmãos unidos em oração (At 1.15; 2.1); depois da descida do Espírito Santo em Pentecostes, esse número salta para pelo menos 3 mil (At 2.41); não muito depois, chega a 5 mil (At 4.4), e assim sucessivamente…
A parábola fala do “reino de Deus”, ou seja do divino governo espiritual que “não vem com aparência exterior” (Lc 17.20) e que “não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17), inclui:
- O primeiro advento de Cristo, em carne para nos trazer salvação e reverter os efeitos deletérios da Queda, e também nos trazer uma maior revelação de Deus;
- O derramamento do Espírito e sua habitação em cada crente;
- A fundação da Igreja e ela própria como agência do reino;
- Manifestações miraculosas em abundância;
- Transformação no mundo caído por meio do poder de Deus e da atuação da Igreja.
Quanto as aves do céu que se aninham nos galhos da hortaliça, os comentaristas bíblicos divergem na interpretação: alguns, usando o contexto imediato em que as “aves do céu” (na parábola do semeador) representam o diabo, concluem que assim também na parábola do grão de mostarda as aves devem representar a intromissão de satanás no reino de Deus (embora não pareça muito clara esta analogia, já que mal algum poderiam estas aves fazer à planta já bem desenvolvida, como puderam fazer à semente jogada à beira do caminho pelo semeador). Outros entendem que estas aves sejam o ingresso dos gentios na hortaliça que era inicialmente Israel, e vindo tomar parte no reino de Deus pela fé em Cristo, mas ainda assim essa interpretação não parece muito clara nem sustentável, já que os gentios não são tratados no Novo Testamento como aves abrigando-se sob ramos de um arbusto.
Deixando esses detalhes de lado, parece-nos que a melhor interpretação é a defendida por Gióia, segundo o qual “as aves que fazem seus ninhos no grande arbusto são mero incidente, para fazer sobressair a verdade de que o reino de Deus crescerá admiravelmente”[5]. Este é o cerne da parábola: o reino de Deus crescerá e se tornará pujante, admirável, maravilhoso!
Podemos achar risível o Rei dos judeus entrando em Jerusalém montando num desengonçado animal, que era o jumentinho, sob o louvor dos populares (Mt 21.7-9); mas, “quem desprezará o dia das coisas pequenas?” (Zc 4.10). No dia em que ele entrou em Jerusalém, as multidões, alvoroçadas, perguntavam: “Quem é este?” (Mt 21.10), mas um dia, este mesmo Rei virá, glorioso, rodeado de esplendor e então saberão quem ele é porque “em seu manto e em sua coxa está escrito este nome: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.14-16).
- A parábola do fermento
Ainda usando de uma comparação fugaz, agora numa linguagem que qualquer dona de casa no oriente médio dos dias de Jesus podia entender (ou ao menos identificar-se), o Mestre e Pregador da Galileia compara o reino de Deus a uma mulher que “escondeu” (Mt 13.33) fermento em três porções de farinha, e “toda a massa ficou fermentada” (Lc 13.21, NVI).
2.1. Questão cultural
Segundo o Dicionário Bíblico Universal, o simples fermento constava de uma porção de massa velha, em alto grau de fermentação, que se lançava na massa fresca para fazer pão, a qual era cozida no forno. [6]
Snodgrass explica para nós o uso do fermento nos tempos bíblicos:
“Como a maioria das casas eram pequenas (com aproximadamente cinco metros quadrados), o preparo do pão, possivelmente era feito no quintal e pode ter sido executado com um trabalho comunitário. Possivelmente a grande quantidade [de farinha] apresentada nessa parábola é resultado da suposição de que a mulher estivesse preparando uma massa para o seu grupo. Os padeiros profissionais já existiam naquela época, mas esta era uma tarefa predominantemente feminina, uma das sete responsabilidades que a Mishnah solicita que as esposas façam para seus maridos”
Sobre as três medidas de farinha, este mesmo autor explica:
“Não existe precisão quando tratamos das medidas da antiguidade, mas a partir das evidências disponíveis, um saton é, normalmente compreendido como equivalente a aproximadamente 13 litros, como medida de capacidade de secos. Três sata seriam quase 39 litros de farinha de trigo e representaria a quantidade que uma mulher era capaz de amassar. Isso, obviamente, serviria para se fazer uma grande quantidade de pão, suficiente para alimentar de 100 a 150 pessoas, caso o nosso entendimento a respeito dessa medida esteja correto” [7]
Devido a brevidade da parábola, que está mais para uma símile (já que não traz o enredo típico das parábolas, como a do semeador ou do filho pródigo), não nos é possível avançar num quadro mais detalhado desta mulher usando o fermento na farinha. E talvez nem precisamos, já que a mensagem de Jesus é muito objetiva aqui, o que demonstraremos a seguir.
2.2. A explicação
O fermento, tal qual na parábola de Jesus, tem duas propriedades:
1) agir em oculto dentro da massa
2) alterar o volume da massa
Charles Ryre de modo bastante sucinto levanta duas possíveis explicações para esta parábola:
“Uma vez que em todas as outras passagens da Bíblia o fermento tipifica a presença do mal ou da impureza, alguns comentaristas acreditam que, neste caso, ele indica a presença do mal dentro da cristandade (Ex 12.15; Lv 2.11; Mt 16.6; 1Co 5.6-9, etc). Outros consideram que o significado do fermento nesta parábola é positivo, indicando o crescimento do reino dos céus pelo poder penetrante do evangelho” [8]
Bem, seria ótimo que a exemplo da parábola do semeador tivéssemos do próprio Jesus uma interpretação desta parábola, o que nos livraria de possíveis equívocos que estamos a cometer. Entretanto, como diziam os antigos sábios, “A glória de Deus é ocultar certas coisas; tentar descobri-las é a glória dos reis” (Pv 25.2).
Oculta nesta parábola, como o fermento no meio da farinha, está uma lição espiritual que Cristo quer nos ensinar, e a considerar o seu contexto imediato bem como a comparação direta entre o fermento e o reino de Deus, creio que que a melhor interpretação seja a de que “na parábola do fermento, trata-se do crescimento interior e espiritual [do reino de Deus] – ou a sua influência na sociedade contaminada”. [9]
Os que se opõem a esta “interpretação positiva” da parábola do fermento, reclamando que o fermento geralmente tem uma conotação negativa na Bíblia e no próprio ensino de Cristo, devem lembrar-se que, num semelhante caso, “serpente” geralmente tem uma conotação negativa na Bíblia e nos ensinos de Cristo (conf. Mt 7.10; 23.33; Lc 10.19; Ap 12.15; 20.2), entretanto, o próprio Cristo faz uso positivo da imagem da serpente quando se refere a ele mesmo, como um antítipo da serpente erigida por Moisés no deserto (Jo 3.14), e quando ordena a seus discípulos serem “prudentes como as serpentes” (Mt 10.16). Portanto, não é estranho que tanto “as aves do céu” da parábola do grão de mostarda possam ter outro significado que não o das “aves do céu” na parábola do semeador, como também não é inadequado pensar que o “fermento” da parábola contada por Jesus tenha um sentido até mesmo oposto ao seu uso metafórico tradicional.
O fermento, nesta parábola, é empregado de forma figurativa para indicar um poder gradualmente transformador, como, por exemplo, a silenciosa influência do evangelho no coração do homem (Mt 13.33; 16.11; 1Co 5.6). Quanto às três medidas de farinha (que equivaleriam a aproximadamente 40 quilos de farinha), não ousamos nos aventurar na busca de um significado espiritual espetacular como muitos já o fizeram, e preferimos acreditar que se trata de um elemento propositalmente usado para Jesus para falar do grande alcance do reino de Deus neste mundo (ainda que a massa seja exacerbadamente grande, o fermento a tomará totalmente).
II. Quem participa do reino de Deus
Na parábola do semeador, Jesus ensinava que a palavra surtirá efeito a seu tempo e frutos com certeza serão colhidos a despeito da rejeição de alguns; na parábola do grão de mostarda, Jesus ensinava que o começo modesto do reino de Deus entre os homens aos poucos lograria conquistas maravilhosas, expandindo-se para cima e para os lados; e na parábola do fermento que leveda a grande quantidade de massa, Jesus nos ensina que misteriosamente, mesmo sem compreendermos todo o processo, o reino de Deus provocará uma mudança em nossa volta. A “palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4.12).
De modo geral todas estas parábolas apontam para o crescimento do reino de Deus entre os homens. Mas há uma última pergunta a se fazer: quem participará desse reino?
Do reino de Deus que já está entre nós participam todos aqueles que por fé decidem seguir a Jesus Cristo, reconhecendo-o como Senhor e Salvador de suas vidas. Entretanto, como ressalta Gaby no próprio texto da Lição (CPAD), “ser discípulo de Cristo significa muito mais que atender a um convite de ‘vir à frente’ (…) é preciso que haja uma decisão pessoal e essa decisão envolve renúncia”. O reino de Deus é espiritual e abrange numericamente todos os salvos em Cristo, embora muitas “aves do céu” possam aninhar-se sobre e sob os ramos deste reino apesar de não serem parte dele propriamente. (Aliás, se há um sentido para aquelas “aves do céu” na parábola do grão de mostarda, creio ser este: quantos descrentes há que têm vivido os benefícios do reino de Deus entre nós: cura divina através das intercessões de um crente; assistência social realizada pela igreja; um relativo sossego em razão do empenho da igreja na sociedade, reduzindo o crime e inibindo a maldade dos homens nalguns locais, etc. – 1Tm 2.2. Veja-se, por exemplo, o quanto a Igreja, agência do Reino de Deus, já fez pelo mundo em termos de educação e evolução dos direitos humanos! Muita gente descrente tem “se aninhado” neste reino sem o saber ou perceber).
Sobre a experiência genuína de salvação como condição para ingresso neste reino espiritual, citamos as palavras de Orlando Boyer: “Não se deve dar a entender ao perdido que a salvação é adquirida pelo fato de alguém levantar a mão, deixar de fumar, recusar a bebida e abandonar todos os vícios” [10]. Embora o reino de Deus como fermento provoque mudanças comportamentais e morais no homem convertido, estas mudanças devem ser encaradas como consequência e não como causa da salvação. O “bom fermento”, se assim podemos dizer, deve ser aceito pela fé, pois é pela fé que o homem tem ingresso no reino de Deus (Jo 3.3,16).
Conclusão
Com as parábolas do grão de mostarda e do fermento que leveda a massa aprendemos que o reino de Deus já está entre nós, movendo-se, crescendo e alcançando muitos corações em todo mundo e operando mudanças que sozinhos não podíamos jamais produzir. Graças a Deus que, como dizia o apóstolo Paulo, “Por todo mundo este evangelho vai frutificando e crescendo” (Cl 1.6). Como no sonho do rei de Babilônia, a “pedra cortada sem auxílio de mãos” e que “tornou-se uma montanha e encheu toda terra” (Dn 2.35), assim também “o Deus dos céus estabelecerá um reino que jamais será destruído e que nunca será dominado por nenhum outro povo” (Dn 2.44). Este reino é o reino Deus, que já está entre nós e que se manifestará de forma plena no porvir.
_________________
Referências
[1] em Wagner Tadeu Gaby & Eliel dos Santos Gaby. As parábolas de Jesus: as verdades e princípios divinos para uma vida abundante, CPAD; p. 48
[2] Ronald Youngblood (editor geral). Dicionário Bíblico Ilustrado, Vida Nova, p. 1139
[3] Klyne Snodgrass. Compreendendo todas as parábolas de Jesus, CPAD, p. 319
[4] Klyne Snodgrass. Op. cit., p. 319
[5] em Claiton Kunz. As parábolas de Jesus e seu ensino sobre o reino de Deus, AD Santos, p. 76
[6] A.R. Buckland & L. Williams. Dicionário Bíblico Universal, Vida, p. 227
[7] Klyne Snodgrass. Op. cit., p. 335
[8] Charles Ryre. Bíblia de Estudo Anotada Expandida, nota de Mt 13.33.
[9] Comentário Bíblico Beacon, vol. 6, CPAD, p. 103).
[10] Orlando Boyer. Esforça-te para ganhar almas, Vida, p. 25
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