estudos bíblicos
O início da civilização humana
As marcas de uma civilização (política, cultura, artes, ciência, religiosidade) podem e devem ser expressas de forma legítima para desenvolvimento da humanidade e glória de Deus.
Na Lição de hoje, dando sequência aos nossos estudos dentro da antropologia bíblica, rastrearemos a origem da civilização humana, e perceberemos, à luz da Palavra de Deus, como a humanidade foi dotada de habilidades para produzir conhecimento e cultura, mas também como essas habilidades foram corrompidas pelo pecado predominante.
A origem da civilização humana
Definição de civilização
Embora com muita frequência se utilize o termo civilização para referir-se ao desenvolvimento, isto é, progresso cultural de um povo ou da própria humanidade, em relação a um estado primitivo “menos humanizado”, o conceito que adotamos aqui em nosso estudo, dentro da antropologia bíblica, é o de civilização como conjunto de aspectos peculiares à vida intelectual, cultural, moral, material, política e religiosa de uma época, de uma região, de um país ou de uma sociedade.
Desse modo, entendemos duas coisas:
A) A humanidade sempre esteve em processo de civilização, desde nossos primeiros ancestrais Adão e Eva, já que desde lá se nota este conjunto de fatores que constitui uma civilização.
B) Podem haver civilizações mais avançadas que outras, em termos de produção e desenvolvimento, porém, todos os povos têm sua forma de civilização dentro da sua época e em seu modo peculiar de se organizarem socialmente.
O casamento como base da civilização
O casamento é a base da família, e a família é a base da sociedade; como não há civilização sem civis (termo latino que se refere aos “cidadãos”), logo, não há civilização que não tenha como base primordial o casamento entre um homem e uma mulher, que se unem para procriação.
Já houve civilizações que praticaram a bigamia (dois casamentos) ou a poligamia (múltiplos casamentos), mas nenhuma foi contrária ao casamento.
Uma civilização pode até banalizar o casamento ou perverte-lo, mas jamais poderá proibi-lo, pois se o fizesse estaria condenando a si mesma à extinção! A proibição do casamento é uma heresia tão nefasta a que Paulo chama de “doutrina de demônios” (1Tm 4.1,3).
A subsistência da civilização
Uma série de fatores forma e garante a subsistência de uma civilização. No capítulo 4 de Gênesis é possível listarmos alguns desses fatores:
1. Família e organização social
Nos versículos 1,2 e 25, vemos Adão e Eva, os pais da raça humana, unindo-se sexualmente e gerando filhos. Nos versículos 17 a 22, vemos Caim e, posteriormente, um de seus descendentes, a saber Lameque, também gerando filhos com suas respectivas esposas. Inclusive, sobre Caim é dito que ele construiu uma cidade à qual deu o nome do seu filho Enoque (que não é o mesmo Enoque que fora trasladado!)
“Enoque era provavelmente um povoado pequeno. Talvez até fosse apenas um assentamento de várias famílias, no entanto foi chamada de cidade, o que implica uma organização com moradas permanentes em um espaço fechado, diferente das tendas dos pastores nômades. É possivelmente o berço do nascimento da civilização, das ocupações específicas e das artes (Gn 4.20-22).[1]
Ainda que o texto bíblico não o afirme, é possível inferir que nesta “cidade” ou “povoado”, foi estabelecida alguma forma incipiente de política, governo e administração pública, a fim de que a ordem social fosse garantida.
2. Trabalho
Desde sua criação, o homem recebeu de Deus vocação para o trabalho. Engana-se quem pensa que no Éden, sem pecado, Adão teria vivido regaladamente, “comendo do bom e do melhor sem qualquer esforço”. A Palavra de Deus é muito clara ao dizer: “E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar” (Gn 2.15).
Assim, como se pode ver, o trabalho é uma ordenança divina para o homem tanto para sua provisão como para seu progresso, jamais uma consequência do pecado. Se o homem não trabalha, ele não produz, não inventa, não progride, não cresce nem multiplica! Ainda entre as primeiras gerações, já notamos distintas formas de trabalho, visando contemplar as mais diversas necessidades do ser humano: a) pastoreio (Gn 4.2); b) agricultura (v. 2); c) carpintaria (v. 20, fabricação de tendas); metalurgia (v. 22, trabalho com metais).
3. Cultura
Desde cedo os homens desenvolveram habilidades para produção de bens materiais e imateriais para seu deleite intelectual e emocional. Como já tínhamos visto em Adão, antes da Queda, que recitou uma poesia ao vislumbrar sua recém-criada esposa Eva (Gn 2.23), vemos agora Lameque, depois da Queda, também declamar poeticamente seus próprios homicídios (4.23-24).
Aliás, em Lameque vemos a primeira perversão das artes na história humana, quando habilidosamente pronunciou rimas para exaltar seu próprio espírito violento. Até hoje, o mesmo espírito maligno que atuou em Lameque atua nos filhos das trevas, levando-os a escrever poemas e canções para exaltar a violência, a luxúria, a avareza, a idolatria, e toda sorte de pecados!
Ao que nos parece Lameque tinha uma vocação divina para as artes, mas não soube honrá-la segundo a vontade de Deus; como se pode ver no versículo 21, até um de seus filhos, Jubal, foi um mestre na arte musical, vindo a ser “o pai de todos os que tocam harpa e órgão” (ou, mais apropriadamente, flauta).
4. Religiosidade
Nunca houve em toda a história da raça humana uma só civilização ateia. Todos os povos em todo o mundo sempre se inclinaram para Deus ou para os deuses, mas nunca cogitaram a possibilidade de renegar a existência de um ser supremo digno de ser temido e cultuado.
Em sua maioria, quase unanimemente, os povos em todo mundo até creram em deuses demais! Foram povos politeístas, que adoraram vários deuses simultaneamente; mas nenhum povo foi ateu.
Portanto, a religiosidade é parte inseparável de qualquer civilização. Vê-se que desde o primeiro filho recebido, a saber Caim, Eva já exaltava a Deus por tal dádiva: “Alcancei do SENHOR um varão” (Gn 4.1).
E com o nascimento de Enos, filho de Sete (portanto, neto de Adão e Eva), registra a Palavra de Deus que a partir dali “começou a se invocar o nome do SENHOR”, isto é, a orar a Deus (v. 26). “Sete [e seus descendentes] teria assumido o lugar de Abel como pai da linhagem que era fiel a Deus”[2]. O nosso Senhor Jesus descende da linhagem de Sete (Lc 3.23,38).
Civilização e conflito
Caim e Abel
Como já vimos desde o início do trimestre, a morte entrou no mundo pelo pecado de Adão. O que ele talvez não sabia é que um de seus primeiros filhos sofreria a morte física mesmo antes do pai. A Bíblia não descreve, mas quão doloroso deve ter sido para Adão, o primeiro homem, ver a primeira pessoa morrer na terra, e que esta primeira pessoa fora justamente seu filho, Abel, assassinado pelo outro filho, Caim (Gn 4.8).
Desde então, a violência tem estado presente em toda terra e apresentando-se de todas as formas: violência doméstica, violência urbana, violência no trânsito, beligerância entre povos, guerras entre nações… Graças a Deus que o número de homicídios vem caindo no Brasil, entretanto, ainda há muitos tendo suas vidas ceifadas diariamente e banalmente neste país! De tal modo estamos cercados pela violência, que podemos dizer como Habacuque: “A destruição e a violência estão diante de mim; há luta e conflito por todo lado” (Hc 1.3).
Em toda a história da humanidade vemos a ação do diabo para macular, perverter e destruir a criação divina. Deus criou o casamento, satanás seduziu o primeiro casal ao pecado; Deus criou a família, satanás semeou inveja e ódio dentro do seio familiar. Bem disse Jesus, que o diabo foi homicida desde o princípio (Jo 8.44). Mas graças a Deus que “para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (1Jo 3.8). Onde o diabo trouxe escravidão, Jesus traz redenção; onde o inimigo causou destruição, Jesus faz reconstrução!
A cidade de Lameque
A cidade que tinha o nome de Enoque, como já dissemos, era a cidade em que Lameque e seu clã habitava. Há indícios suficientes de que nos dias de Lameque, este povoado já era tomado de toda sorte de maldade, como se vê na própria biografia deste descendente de Caim.
Em Lameque vemos o primeiro caso bíblico de bigamia (Gn 4.19) e de banalização do crime. Embora Caim tenha sido de fato o primeiro homicida, é Lameque o primeiro homicida justiceiro que se gaba de sua violência ao ponto de declamar uma poesia em sua própria homenagem pelo ato que cometeu (v. 23). Lameque era bígamo, homicida e soberbo, ao ponto de achar-se muito seguro contra a possível vingança que sofreria devido seu duplo homicídio.
Talvez julgando que agira em legítima defesa contra um homem e um jovem (v. 24), pensava que seria ainda mais protegido que Caim, seu predecessor, que assassinara injustificadamente seu irmão Abel. Entretanto, mesmo que agindo em legítima defesa para neutralizar ou abater um adversário violento, jamais deve o homem que teme a Deus orgulhar-se na morte de outra pessoa. A vida ceifada, mesmo que de nossos inimigos, jamais deve ser tripudiada. Celebremos a vida, nunca a morte!
A tecnologia
Ainda que de modo algum se deva comparar com a sofisticada tecnologia moderna, é possível percebermos que entre os primeiros descendentes de Adão já havia um incipiente desenvolvimento tecnológico para manuseio de metais e fabricação de ferramentas de trabalho ou objetos de uso doméstico (como o uso do cobre e do ferro, v. 22) e de artes (como criação de instrumentos musicais, v. 21). A Bíblia de Estudo da Reforma nos traz importante nota sobre o assunto:
“harpa e flauta [Gn 4.21]. Arqueólogos encontraram evidências de instrumentos musicais que remontam a pelo menos 3000 a.C. harpa. Predecessora da harpa moderna, pode ter sido mais parecida com uma cítara moderna (uma caixa acústica de madeira com cordas esticadas ao longo da parte superior, as quais podem ser dedilhadas ou tocadas). Seja qual for sua configuração, a harpa aqui é um instrumento de cordas.
Artífice [Gn 4.22]. A arqueologia moderna data o início do trabalho com metais (em cobre) no Oriente Médio em 4000 a.C.; isto se encaixa com a cronologia de Gênesis. Instrumento. Não instrumentos musicais [como fora no versículo anterior], mas ferramentas feitas de bronze ou ferro (…). Aparentemente, Tubalcaim desenvolveu a primeira tecnologia de metalurgia em cobre, o que levou ao trabalho com bronze e ferro (i.e., que ele foi o ‘pai’ dos metalúrgicos…)”.[3]
Assim, vê-se que o homem, desde sua primeira civilização, já estava dotado por Deus de inteligência para usar os recursos naturais para seu conforto, bem-estar e deleite.
O Deus que intervém na civilização
A intervenção na biografia de cada homem
Embora Deus tenha criado a terra para o homem, Deus não abandonou o homem na terra; e apesar de Deus ter dado ao homem vontade para este decidir o que quer para si, Deus não se priva do seu direito soberano de agir e intervir na vida de cada criatura sua. Quando quer curar, Ele cura, mas ele também faz a ferida, se precisar. Quando quer dar riquezas ao homem, Ele dá; mas também empobrece homens ricos e lança-os à mendicância para abater-lhes a soberba dos corações. Ele dá sabedoria aos sábios e inteligência aos entendidos (Dn 2.21), mas também sequestra o entendimento dos sábios e faz deles homens loucos.
Deus é criador, mas é também Senhor sobre sua criação! É transcendente e, portanto, está muito acima da sua criação, mas é igualmente imanente, estando perto não só para ver o que se passa entre os filhos dos homens, mas também para intervir e garantir que nada nem ninguém irá além dos limites que ele estabeleceu, que seus planos eternos para a humanidade não serão frustrados (Jó 42.2).
A intervenção na história da civilização
De Gênesis a Apocalipse esta verdade permeia todas as artérias das Escrituras Sagradas: Deus age! Deus nem está alheio às ocorrências do bem e do mal entre os homens, nem também está apenas a contemplar passiva e indiferentemente toda a situação. E engana-se muito mais quem pensa que Deus está impotente e incapaz de mudar este quadro caótico de violência, corrupção e maldade. Deus está vivo, presente e agindo poderosamente na história de todos os povos em toda a terra por todos os séculos!
As manifestações teofânicas de Deus no Antigo Testamento são evidências de seu interesse e de sua atividade entre os homens; o chamado dos patriarcas e o investimento divino sobre eles constitui igual evidência da intervenção divina; a constituição, preservação, julgamento e restauração do povo de Israel é retumbante declaração da intervenção divina na história, inclusive neutralizando e anulando exércitos inimigos que pretendiam massacrar e exterminar a descendência de Abraão; a vocação dos profetas e sua mensagem vibrante contra o pecado, bem como o prenúncio da salvação através do Messias ratificam a intervenção de Deus na terra.
Agora, indubitavelmente, a encarnação do próprio Filho de Deus e sua morte na cruz é a maior de todas as provas do quanto Deus está agindo e intervindo na história da civilização humana! Jesus Cristo é o próprio Emanuel, isto é, Deus conosco (Mt 1.23), o Deus que se fez carne e habitou entre nós! (Jo 1.14).
Jesus Cristo, a única esperança para a civilização humana
Se Cristo não tivesse encarnado e morrido na cruz, pagando o preço pela nossa redenção e oferecido ao Pai o sangue da nossa reconciliação, onde estaríamos nós agora e que futuro haveria para a humanidade? Quão terrível destino sofreríamos se a porta da graça não se abrisse para nós, pecadores!
O Estado, constituído de transgressores (e não poucos corruptos e déspotas cruéis!), seria incapaz de salvar a raça humana. A ciência não poderia salvar-nos e, muito provavelmente, ela seria usada por homens malignos para antecipar a própria destruição da raça humana.
Quantas bombas atômicas seriam necessárias para dizimar toda população mundial? Graças a Deus que pelas Escrituras podemos ter a mais absoluta certeza de que isto não acontecerá e mesmo que os homens intentassem tal perversidade, o Senhor mesmo interviria, neutralizaria a ação das bombas, as reduziria a pó, daria fim aos genocidas e garantiria a perpetuação da humanidade para nela cumprir seus desígnios previamente estabelecidos e declarados em sua Palavra inerrante e infalível, a Bíblia sagrada!
No fim, não é o Estado, não é a ciência nem a tecnologia, mas apenas Jesus é a esperança para a humanidade! Somente ele é o “príncipe da paz” (Is 9.6).
Conclusão
Foi Deus quem criou o homem e a humanidade, e foi ele quem a dotou de múltiplas inteligências e saberes.
As marcas de uma civilização (política, cultura, artes, ciência, religiosidade) podem e devem ser expressas de forma legítima para desenvolvimento da humanidade e glória de Deus. Porém, como vimos, desde as primeiras gerações o pecado tem contaminado toda forma de expressão da nossa civilidade.
Agora convém-nos deixar que Cristo em nós faça a redenção da civilização, trazendo-nos com tudo o que há em nós de volta para o Senhor que nos criou. “Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome” (Sl 103.1).
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Referências
[1] O Novo Comentário Bíblico – Antigo Testamento, Central Gospel, p. 22
[2] Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal, CPAD. Nota de rodapé
[3] Bíblia de Estudo da Reforma, SBB, pp. 23,24.