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devocional

Religiosidade e fé

A religiosidade oferece a Deus algo que Ele não pede, mesmo que seja muito vistoso, mas a fé caminha na simplicidade da obediência.

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Pintura das ofertas de Caim e Abel por Mariotto Albertinelli

A religião primitiva baseava-se desde a noite dos tempos na ideia do sacrifício, a fim de aplacar a ira dos deuses, por parte dos humanos que não controlavam as forças na natureza nem as conseguiam compreender em termos naturais.

No Livro de Génesis, capítulo 4 lemos sobre os sacrifícios apresentados por Caim e Abel a Deus.

Esse episódio ajuda-nos a entender a diferença entre religiosidade e fé. De certo modo podemos dizer que Caim tipifica a religiosidade e Abel tipifica a fé, ou a espiritualidade cristã.

As diferenças são várias e fundamentais:

A religiosidade oferece a Deus algo que não nos custa, mas a fé oferece sacrifício

O texto diz que Abel sacrificou um animal do seu rebanho, mas Caim limitou-se a trazer dos frutos da terra sem derramamento de sangue, sem sacrifício. Mais tarde Deus declara:

“E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão” (Hebreus 9:22).

A religiosidade oferece a Deus algo que não tem vida em si mesmo, mas a fé oferece a vida

A religião de hoje oferece o corpo (sacrifícios corporais) ou dinheiro, ou velas, ou promessas, mas o que Deus requer é que nos ofereçamos a nós mesmos a Deus, porque o sacrifício de sangue tem o sentido de representar um sacrifício substituinte e aponta profeticamente para Jesus que, como João Baptista anunciou, é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

A religiosidade oferece a Deus algo que Ele não pede, mesmo que seja muito vistoso, mas a fé caminha na simplicidade da obediência 

“Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar” (7a).

O altar de Caim era muito mais vistoso do que o de Abel, cheio de flores e frutos coloridos e apetecíveis, mas não era isso que Deus tinha pedido.

A religiosidade oferece a Deus algo que não fala com Ele, mas a fé interpela-O 

“E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra” (10).

Flores de frutos não interpelam Deus, mas o sangue (que representa a vida) sim.

A religiosidade suscita em nós sentimentos negativos, mas a fé é humilde 

Caim, ao ver rejeitada por Deus a sua oferenda, ficou zangado: “Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante” (5). 

“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Filipenses 2:3-5).

A religiosidade suscita em nós a destruição do que é diferente, mas a fé ama 

“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:43,44). 

Apesar de tudo Caim e Abel eram irmãos 

Um caminhou na religiosidade, outro na espiritualidade. Ambos queriam ser aceites por Deus, mas apenas um o foi. Mas nada justificaria que um destruísse o outro. Se nada justifica o racismo e a xenofobia, ainda menos se podem justificar as guerras religiosas ou conflitos entre religiões. Caim e Abel representam assim diferentes formas de procurar a aceitação e aprovação divinas.

Resta saber se a nossa abordagem ao transcendente se faz em obediência à revelação que temos de Deus (como aconteceu com Abel) ou se preferimos construir uma religiosidade que não o toca (como sucedeu com Caim).

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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