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opinião

Trabalho: benção ou maldição?

“Como é feliz quem teme ao Senhor, quem anda em seus caminhos! Você comerá do fruto do seu trabalho, e será feliz e próspero”

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O ser humano possui, essencialmente, uma pré-disposição para o trabalho. A ideia fundamental de trabalho ocorreu logo no primeiro diálogo entre Deus e o primeiro homem (Adão) quando Deus lhe disse: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”. Mais à frente, no relato da queda, Deus diz a Adão que por causa da sua desobediência a obtenção de sustento se daria com certa dificuldade e sofrimento, consequência da modificação do estado da terra com a entrada do pecado no mundo. Desde então o homem, que outrora desfrutaria de gozo total no desempenho de suas atividades, tem tentado desenvolver meios tecnológicos para obter relativa satisfação no desempenho de suas atividades laborais. Com isso o homem se tornou uma máquina de produção. Uma máquina de fazer que relaciona sua própria satisfação, e de seus familiares, aos resultados do seu trabalho.

O trabalho como algo dado por Deus foi deturpado e mal compreendido pelo homem. Mesmo na melhor das intenções o homem pode se ver preso ao mecanismo trabalho->ganho->satisfação que o impede de obter um vislumbre das coisas boas e belas da vida, reduzindo-as apenas àquilo que pode ser comprado, ou seja, que possui valor monetário (preço). Mesmo de modo imperceptível, as coisas boas e belas da vida (que o dinheiro não compra) normalmente estão presentes em casas menos abastadas (com exceções é claro), que entendem a distinção entre aquilo que tem preço daquilo que tem valor.

Ilustro isso com um exemplo prático. Uma família abençoada morava numa casa simples. Por isso, mantinham uma grande proximidade entre seus integrantes, pois, teoricamente quanto menos dinheiro e tecnologia uma boa família possui, a tendência natural é a de que a proximidade e o diálogo entre eles sejam mais constantes. O espaço da casa era pequeno e os recursos tecnológicos que possibilitavam a interação virtual com os de fora não existiam. A família vivia alegremente aconchegada (e apertada) com algumas coisas de baixo preço em sua pequena casa, naturalmente superadas por outras coisas de grande valor como a amizade, a cumplicidade, as brincadeiras e o amor. Neste humilde e aconchegante lar apenas o pai de família trabalhava num emprego só.

O tempo se passou e o pai de família decidiu que eles teriam que mudar de vida, melhorar seus rendimentos, buscar maior conforto para todos e, assim começou a trabalhar em dois empregos. Passado algum tempo, eles mudaram para uma casa maior, num lugar mais “valorizado”. Contudo, sua esposa também teve que começar a trabalhar numa atividade que a fazia permanecer no trabalho por quase a semana toda, a fim de conseguir pagar o aluguel da nova casa que era o dobro do preço da casa anterior. Agora, pai e mãe dedicavam quase todo o tempo do dia e parte da noite para manter um “melhor padrão de vida”. Adquiriram maior conforto, mas aquela vida de outrora de proximidade e brincadeiras com seus filhos dera lugar ao distanciamento, pois todos da casa não mais se encontravam, além de viver ocupados com seus smartphones.

Os pais não viam mais os seus filhos em sua própria casa. O tempo foi passando e as crianças se tornaram adolescentes sem a presença ativa de seus pais. Antes todos se reuniam para ir à uma comunidade cristã algumas vezes por semana e, hoje, mal conseguem se reunir em casa para fazer uma refeição. Os filhos começaram a esboçar comportamentos estranhos e danosos em seu desenvolvimento cognitivo-afetivo sem que seus pais percebessem tais comportamentos. Quando se deram conta, seus filhos (agora adolescentes) não mais reconheciam sua autoridade e as brigas passaram a ser uma constante no seio da família, culminando, inclusive, no abandono do lar por um dos filhos. O pai que se gabava da melhoria do conforto e do novo padrão de consumo da família, decorrente da alta carga de trabalho assumida, indagava-se o tempo todo em que ponto da educação dos filhos ele e sua esposa tinham errado. A resposta era evidente: ela (a educação) tinha deixado de existir! A alta carga de trabalho havia tomado o seu lugar.

Talvez você se enquadre nesta história ou conhece alguém que viva este dilema. Talvez, ainda, você não perceba nenhum problema entre o excesso de trabalho assumido por estes pais, sob o pretexto de melhorar e manter altos padrões de conforto à sua família impostos pela atual sociedade de consumo. A bem da verdade é que a realidade nua e crua deste tempo faz vivermos em um mundo de “faz de contas” em que só é feliz quem consome mais. Mais informação, mais tecnologia, mais conforto, mais viagens, mais, mais… Para tanto, o trabalho tem sido o bode expiatório deste tempo, de forma a minimizar as angústias provocadas pela ilusória necessidade de consumir para ser feliz.

Apesar da fadiga e do sofrimento como consequências do pecado de Adão no Éden, o trabalho continua sendo um instrumento legítimo da parte de Deus para abençoar o homem. Ele pode e deve ser feito de forma a glorificar a Deus. Uma família que coloque o seu coração e sua confiança em Deus, antes mesmo de colocá-los na força de seu próprio braço, ou seja, no trabalho, sem dúvida terá a benção e a paz como elementos de prosperidade presentes em sua vida.

Para tanto não faça do trabalho, abençoado e dado por Deus à humanidade, um instrumento de maldição para satisfazer a sua ganância. Também, não se iluda com aquilo que esta geração consumista impõe como padrão de felicidade e satisfação. Sua família e o bem estar dela não tem preço! Já as coisas que tem preço são efêmeras, vem e vão de modo aleatório, diferente do envolvimento e das alegrias de um tempo de qualidade compartilhado entre cônjuges, pais e filhos. Isto sim, nunca poderá ser comprado e, na curta peregrinação desta vida, só daremos conta disso quando o tempo passar e nada pudermos fazer para voltar atrás.

Portanto, uma valiosa recomendação para que o seu trabalho e a sua família sejam uma benção, consta no livro dos Salmos 128.1-4: “Como é feliz quem teme ao Senhor, quem anda em seus caminhos! Você comerá do fruto do seu trabalho, e será feliz e próspero. Sua mulher será como videira frutífera em sua casa; seus filhos serão como brotos de oliveira ao redor da sua mesa. Assim será abençoado o homem que teme ao Senhor!”

Reveja seus conceitos acerca do que tem preço e do que tem valor para sua família. Como bem disse o sábio rei Salomão: “há tempo para todas as coisas debaixo do céu”. Talvez aquilo que você tanto busca adquirir com altas horas de trabalho para a felicidade da sua família, não seja o que ela realmente precisa para ser feliz de verdade.

Apologista cristão por vocação. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Filosofia também pela PUC-Campinas-SP e em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP.

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