opinião
Vinculo empregatício e a liderança religiosa
Uma avaliação sobre a segurança jurídica para as igrejas.
Eu abri os jornais e estava publicada a notícia da nova lei Nº 14.647, de 4 de agosto de 2023, que muda a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), determinando a inexistência de vínculo empregatício entre as entidades religiosos ou instituições de ensino vocacional e os ministros, membros ou quaisquer outras pessoas que a eles se equiparem. A lei se aplica ainda que a pessoa se dedique, parcial ou integralmente, às atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculada ou que esteja em formação ou treinamento. O texto diz que a norma não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.
Os autores do projeto de lei, deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP) e ex-deputado Roberto Alves (PRB-SP), acreditando que o líder religioso exerce trabalho em prol da fé, dizem que a lei dá segurança jurídica às igrejas e demais instituições. Também há o entendimento de que um líder religioso tem um chamado espiritual para exercer seu trabalho e não a intenção de receber salário pelo serviço prestado. O texto faz uma separação entre atividade de ordem religiosa e o trabalho secular. Na lei, a atividade que o pastor exerce na igreja é diferente do trabalhador com vínculo empregatício. Para os dois autores do projeto, “além de regular a matéria de forma clara, a proposta terá o efeito de desonerar a Justiça do trabalho de milhares de demandas”.
Depois de sancionada sem vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 14.647/23 foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 7 de agosto de 2023. O texto origina-se do projeto de lei 1096/19 que foi assinado pelos dois deputados.
A repercussão da lei
A atual presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Érika Fuchida, disse que a promulgação da lei é positiva porque pacifica as controvérsias acerca da prestação de serviços prestadas no âmbito das entidades religiosas, estabelecendo a presunção de inexistência de vínculo empregatício entre a instituição e o prestador de serviços, corroborando o entendimento jurisprudencial dominante. A novel previsão visa trazer segurança jurídica tanto para as instituições religiosas quanto aos prestadores dos serviços.
A visão é que, se de um lado a norma expõe acerca da presunção de inexistência de vínculo entre a instituição com o voluntariado, por outro, havendo o desvirtuamento da finalidade religiosa ou voluntária, a presunção legal de inexistência de vínculo de emprego é afastada e, obrigatoriamente, o liame empregatício será reconhecido.
Quanto às consequências da lei, Fuchida diz que o efeito mais positivo é que, ao regular a relação entre entidades religiosas e seus voluntários, a lei traz clareza e segurança jurídica, tendo como consequência reflexa a redução significativa das demandas judiciais, desafogando o judiciário.
O advogado Laerte Queiroz, que foi presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-DF no triênio 2016/2018, entende que a lei Nº 14.647/2023 veio reforçar a legislação existente. O decreto 7.107/2010, no art. 16, estabelece que não há vínculo empregatício entre e instituição religiosa e os ministros ordinários ou fiéis, consagrados mediante voto. Ele diz que, embora existisse um decreto regulamentando a situação, era comum, na justiça do trabalho, alguns magistrados reconhecerem o vínculo empregatício. Há também a lei 9.608/1988 que considera serviço voluntário a atividade não remunerada, prestada por pessoa física e entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição provada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social. Quando o serviço é voluntário, não se deve falar em natureza trabalhista, previdenciária ou afins.
Queiroz entende que a lei é benéfica uma vez que havia divergências nos tribunais. Ele citou uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole, da Universidade de São Paulo, que mostra que foram abertas, no ano de 2019, 6.356 igrejas evangélicas no Brasil, uma média de 17 novos templos por dia. Os tribunais entendiam que estava acontecendo um desvirtuamento da finalidade da igreja. A nova lei trata da situação e trouxe algo benéfico para os pastores. Se comprovado o desvio da finalidade da igreja, se a mesma for usada para gerar enriquecimento, por exemplo, ficando descaracterizado de sua finalidade, os pastores passam a ter vínculo trabalhista pela CLT. O advogado entende que a nova lei deixou mais claras as regras de que a atividade religiosa pelos pastores e missionários não é relação de trabalho.
Opiniões dos pastores
Eu conversei com lideranças sobre o assunto. Gerson Alves Ferreira é teólogo e pastor há 23 anos. É da Comunidade Cristã Águas do Trono, na cidade de Águas Claras, em Brasília – DF. Ele entende que lei pacifica o assunto porque cada igreja adotava uma maneira de agir em relação ao trabalho pastoral. Agora as igrejas sabem que o trabalho pastoral não gera o vínculo empregatício. Ferreira entende que a lei deve ser analisada sob duas perspectivas. É boa para proteger a instituição de ação judicial. Por outro lado, os pastores que vivem integralmente no ministério terão que organizar um programa de aposentadoria. Um desafio para os membros da igreja.
Rogério Moreira Júnior é pastor da Igreja Geração Eleita, em Brasília, há 18 anos e professor de Teologia há 17 anos. Também é formado em Administração, com especialização em Administração Hoteleira e mestrado em Teologia Prática. Moreira disse que a lei não muda muito a situação anterior, mas coloca a igreja em uma situação mais estável quanto à segurança jurídica. Ele disse que ser pastor é uma vocação ministerial, é atender ao chamado divino para exercer uma atividade, o que envolve mais compromisso do que vínculo trabalhista remunerado. Outra questão levantada pelo pastor Moreira Júnior é que a possibilidade de vínculo de trabalho deixaria igrejas pequenas sem ter condições financeiras de ter uma liderança espiritual. Ele entende que, mesmo que a lei aparente prejuízo aos líderes em uma primeira análise, os verdadeiros vocacionados sempre estarão dispostos a fazer renúncia em obediência ao chamado de Deus.
Um bom conselho é que pastores pensem em contribuir pessoalmente para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), faça um plano de previdência privado ou um seguro de vida. A aposentadoria é um desafio que precisa ser pensado enquanto ainda se exerce o ministério.
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