opinião
Estradas da Polícia e do Comércio e as decisões governamentais
Ética, moralidade, esmero, patriotismo e senso de espírito público é o que deve reger todas as nossas ações como agentes públicos e servos do Senhor Jesus!
Com a mudança da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 22 de janeiro de 1808, a população colonial passou por consideráveis mudanças.
Outrora revestida de hábitos rudes e quase nenhuma etiqueta, aquele grupo formado mormente por traficantes de escravos (estes eram os que realmente tinham dinheiro no Brasil colonial daquele período) passou a conviver com uma Corte pomposa, mas completamente sem recursos financeiros; sobrava, portanto, aos cortesões, a pose de nobre, e tão-somente isso.
Nesse cenário, o então Rei Dom João VI vivia um dilema daqueles: a Coroa estava completamente quebrada e, dentre os colonos, apenas os clandestinos (traficantes) eram os detentores de considerável quantidade de ouro. O Rei logo pensou em uma forma de capitalizar a Coroa com esses numerários; e é aí que começa o cerne deste artigo.
Não seria eficiente à Coroa simplesmente taxar os colonos, já que uma mínima parcela da população possuía recursos dignos de dar um alívio aos cofres reais. Assim, Dom João VI, ciente do desprezo que os colonos sofriam dos cortesões vindos de Lisboa, decidiu tomar posse da velha prática do “toma-lá-dá-cá” (é, isso não é novidade no Brasil não), apelando para o sentimento de inferioridade dos nativos ante à postura da nobreza oriunda de Lisboa. O que o esdrúxulo Rei fez foi agraciar com títulos de nobreza aqueles que, generosamente, faziam doações em ouro ou realizavam construções para a Coroa.
Ciente desta manobra, o maior traficante de escravos da época, o Sr. João Rodrigues Pereira de Almeida logo decidiu construir uma fábrica de pólvora para a Coroa, sob o álibi de defender os recém-chegados portugueses. Tal gesto lhe rendeu o título de Major no Regimento de Milícias da Candelária, tropa civil que reunia os nobres da cidade. Não bastasse isso, quando a Coroa buscou se capitalizar por meio da criação de um banco, Pereira de Almeida, por ter comprado várias ações deste banco (o que em muito agradara a Coroa), recebeu o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo, o que lhe inseriria no bojo da Corte real.
Mas não para por aí não. Completamente descontente por estar no Brasil (indigno de sua posição e de sua etiqueta), a rainha Carlota Joaquina se tornara amante do chefe do maior clã de traficantes de escravos da época, o Sr. Fernando Carneiro Leão.
Por estar próximo da Coroa, os Carneiro Leão conseguiram colocar um membro da família como Chefe da Polícia do Rio de Janeiro. Este, vendo a oportunidade de se locupletar e angariar benefícios particulares sob a batuta da Coroa, logo passou a defender a construção de uma estrada para a região de Minas Gerais, que, não se sabe bem o porquê, facilitaria em muito a sua tarefa de zelar pela segurança da cidade do Rio de Janeiro.
Em pouco tempo, dado a proximidade com a Coroa, as obras foram aprovadas e logo começaram a ser executadas, recebendo o respeitoso nome de “Estrada da Polícia”.
O interessante é que, antes da malfadada estrada surgir no imaginário do criativo Chefe de Polícia, os Carneiro Leão passaram a fazer um novel negócio com a Coroa, sempre endividada: a Coroa passou a efetuar doações de terra àqueles que tão generosamente aliviavam com aportes em ouro os cofres do Rei. Assim, os Carneiro Leão receberam tantas sesmarias que suas propriedades se estendiam formando uma mancha contínua que começava em Valença, chegando até Minas Gerais.
Sabe o outro traficante, Pereira de Almeida? Esse também não ficou de fora do lucrativo e novel negócio com a Coroa: recebeu sesmarias que iam até a cidade de Vassouras.
Pois bem. O interessante é que a famigerada “Estrada da Polícia” ligava a cidade do Rio de Janeiro justamente às terras de propriedade dos Carneiro Leão. Coincidência, não é mesmo?
Com este feito, as terras do influente traficante se tornaram cada vez mais valorizadas, já que estavam diretamente ligadas à capital do Reino.
Mas não pense que o Pereira de Almeida ficou de fora não. Vendo o sucesso da “empreitada”, logo convenceu a Coroa a construir a “Estrada do Comércio” que, coincidentemente, ligava a capital do Reino às suas terras, que tiveram exponencial valorização.
Armado todo este cenário, a solução mais lógica seria utilizar tais terras e estradas com a plantação de alimentos para abastecer a cidade do Rio de Janeiro, que vinha sofrendo de desabastecimento em virtude do recrudescimento populacional ocasionado pela chegada da nobreza.
Ora, o problema era que os traficantes, dentre eles os Carneiro Leão e o Pereira de Almeida, é que abasteciam a cidade com suas frotas de navios que traziam mantimentos do Sul do país. Assim, eles acabariam concorrentes de si mesmos.
A solução, então, era plantar algo que demorasse a brotar e não fizesse concorrência com os insumos trazidos das terras gaúchas. Foi assim que toda aquela região se tornou polo maciço de plantio de café da época; desta feita, os traficantes ganhavam com o abastecimento da cidade por meio de seus navios e lucravam ainda mais com as safras de café plantadas e escoadas pelas estradas da polícia e do comércio.
Enfim, o que nós devemos aprender com esse trecho da História é que, primeiramente, o Estado não pode ser refém do Poder Econômico. Além disso, não se pode ocupar os cargos públicos com pessoas que colocam seus interesses particulares à frente do interesse de toda a nação.
Não podemos permitir que novas “estrada da polícia” e “estrada do comércio” sejam concretizadas na esfera pública. O Estado, por meio de seus Órgãos e Entidades, deve, sempre e a todo tempo, focar no interesse público e no desenvolvimento da sociedade, não servindo, portanto, para atender interesses particulares e escusos de alguns, enquanto nosso povo clama por melhores serviços e atuação estatal.
Ética, moralidade, esmero, patriotismo e senso de espírito público é o que deve reger todas as nossas ações como agentes públicos e servos do Senhor Jesus!
Referências:
CALDEIRA, Jorge. Mauá: Empresário do Império. Companhia das Letras. 1995. 545 p.