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O cristão tem um papel profético na política, afirma teólogo

Valmir Nascimento fala sobre a política brasileira e a participação dos cristãos do debate público.

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Pastor Valmir Nascimento (Reprodução)

O escritor Valmir Nascimento, jurista e teólogo, é reconhecido por preencher duas grandes lacunas no debate cristão atual: o cristão e a política, e o cristão e a universidade. Os dois temas são frutos de duas das suas obras mais importantes publicadas pela Casa Publicadora das Assembleia de Deus (CPAD).

Através dos livros “O Cristão e a Universidade” e “Entre a Fé e a Política” ele trata sobre ética, apologética, sociedade e transmite lições sobre como o evangélico pode se posicionar em questões desafiadoras para a Igreja. Pastor auxiliar na Assembleia de Deus em Cuiabá (MT), Valmir é pai de Vinicius e Beatriz e é casado com Carla Marcele.

Seu currículo inclui formação em Direito e Teologia, mestrado em Teologia, pós-graduação em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa pela Universidade Mackenzie, Universidade de Coimbra e Oxford University. Além de professor universitário de Direito Religioso, Ética e Teologia, também é analista jurídico da Justiça Eleitoral.

Valmir Nascimento também é palestrante, pregador, comentarista da Lições Bíblicas de Jovens da CPAD e diretor da Academia Teológica.

Em entrevista exclusiva ao Gospel Prime, Nascimento fala sobre a política brasileira e o posicionamento cristão.

Leia à íntegra:

Gospel Prime – Como vê a atual situação do país, enfrentando pandemia, crise econômica e política simultaneamente?

Valmir Nascimento – Passamos por um período muito delicado. Toda essa conjuntura nos coloca em uma posição de risco, o que exige da parte das autoridades em geral e da população em particular sabedoria e sensatez para enfrentar esses problemas.

No livro Entre a fé e a política, você fala sobre a legitimidade da participação evangélica no processo eleitoral. Qual deve ser o papel do cristão na política?

Como qualquer outro grupo social, os cristãos têm total legitimidade para participar das discussões políticas e influenciar as disputas eleitorais, a partir de seus próprios valores e princípios espirituais.

Numa visão atual da ciência política não faz sentido justificar isso, pois tal participação é parte da própria ideia de democracia, na qual deve-se garantir a todas as pessoas os direitos políticos. Essa é a minha visão jurídica e política sobre o tema.

Mas, falando como um religioso, mais especialmente como um cristão evangélico, entendo que tal participação deve ser respeitosa, sábia e, sobretudo, ética, sob pena de causar escândalo ao Evangelho na esfera pública.

O cristão tem um papel profético, no sentido de exigir justiça e defender os valores humanos, assim como administrar a terra como mordomos.

Existe uma aversão muito grande aos políticos pela sociedade e a Bancada Evangélica é bastante criticada. Por que os políticos brasileiros não conseguem atender as demandas sociais?

Em primeiro lugar, creio que o nosso sistema político é extremamente engessado, que torna difícil a implementação de algumas propostas boas, mas que se perdem dentro da estrutura burocrática do Estado.

Em segundo, ressalvadas as exceções, a política brasileira sofre com o fisiologismo e a com a perda do interesse público entre as batalhas ideológicas.

Recentemente, o ministro Edson Fachin propôs punição para o que chama de “abuso de poder de autoridade religiosa”. Qual sua perspectiva sobre essa afirmação?

Antes mesmo do voto do Ministro Fachin (a quem respeito muitíssimo), tenho falado, escrito e palestrado sobre esse tema desde 2013, quando o conceito passou a ser popularizado. Abordo esse assunto em meu livro “Entre a Fé e Política”. O que tenho dito, inclusive alinhado com uma decisão do TSE de 2017, é que nem a Constituição da República e nem a legislação prevê esse tipo de ilícito eleitoral.

A CF/88 fala em abuso no exercício de função pública, e não na esfera privada. Além disso, a tipificação do ilícito eleitoral em face somente dos religiosos tornaria flagrante uma discriminação negativa, que podemos chamar, neste caso, de perseguição religiosa. Não se fala sobre isso a outros setores da sociedade. Dificilmente será levantada hipótese de “abuso de poder ambientalista”, “ruralista” ou “sindicalista”. Nessas situações, a influência é considerada legítima, como o simples exercício da liberdade de pensamento e convicção filosófica.

Veja. Por questões teológicas, eu não sou a favor do envolvimento da igreja (instituição) com a política partidária. Creio que isso caiba a cada cristão em particular. Mas, por respeito à liberdade religiosa e à liberdade de expressão, não posso aceitar a criação desse tipo específico de punição aos religiosos. Da mesma que forma eu não aceitaria uma espécie de “abuso de poder ideológico”, não posso coadunar com um tal “abuso do poder religioso”.

Existe uma ameaça contra a representatividade cristã no pleito eleitoral?

Se isso for chancelado pelo TSE, haverá impacto realmente no processo eleitoral. De algum modo isso pode influir nessa representatividade, mais especialmente por se tratar de eleições municipais.

Afinal, se hoje, mesmo sem esse ilícito ser reconhecido pelo TSE, já existe uma grande batalha jurídica e midiática em torno do tema, quanto mais se ele for chancelado.

E quanto a nossa democracia, vê risco de totalitarismo?

Todas as vezes que a liberdade de participação política é desprezada, o princípio democrático se vê em risco. O maior perigo talvez seja o totalitarismo no mercado das ideias, no sentido de obstar que todos segmentos da sociedade possam ter liberdade para defender seus valores na esfera pública, sendo empurrados para o ambiente privado. E isso é contraditoriamente interessante.

Ao mesmo tempo que os secularistas acusam os religiosos de absolutistas e de mente fechada – o que é uma grande inverdade, eles mesmos não estão dispostos à dialética pública, abertos a ouvirem outras visões de mundo, muito menos dos fiéis.

Qual sua percepção quanto a proximidade de lideranças evangélicas com o governo?

Isso é algo natural e certamente não ofende o princípio da laicidade. Pastores também são cidadãos e bons conselheiros, que podem auxiliar em muitas coisas. Mas, ao mesmo tempo, sou da opinião de que líderes religiosos devem compreender essa relação com as esferas de poder com sabedoria, como oportunidade para ajudar a nação com vistas ao bem comum, e jamais em busca de benefícios da denominação que representa.

Como dizia Johannes Althusius, pensador cristão do século XVI, a política é a arte estabelecer vida social comum. Para tanto é crucial que mantenham a compreensão bíblica de que as autoridades foram constituídas por Deus, mas não são infalíveis.

Por isso mesmo não são dignas de devoção absoluta. Assim, líderes religiosos podem usar essa oportunidade para aconselhar e instruir, mas também para admoestar e apontar erros quando necessário, sem qualquer idolatria política.

Até porque o Evangelho não está cativo a nenhum tipo de ideologia, qualquer que seja o seu espectro.

Tem uma famosa frase de Rui Barbosa que diz que contra ditadura do Judiciário não há a quem recorrer. Estamos vivendo tempos de ditadura do Poder Judiciário?

Atuo no Judiciário há mais de quinze anos e sei da importância e o árduo trabalho prestado por magistrados e servidores em todo o país. Sabemos que algumas decisões acabam extrapolando limites e gerando tensões sociais.

Não vejo como “ditadura”, mas como pronunciamentos eventuais dentro de um tipo de ativismo judicial irregular, gerando aquilo que alguns teóricos chamam de “Supremocracia”, e que pode se agravar caso a postura não seja revista.

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