O que aconteceu com igrejas após Cuba parar de impor ateísmo?

Apesar do histórico de restrições à liberdade religiosa, Cuba tem testemunhado um avanço expressivo das igrejas evangélicas nos últimos anos. Segundo reportagem da BBC News Brasil, cultos públicos realizados por jovens cristãos, inclusive em locais simbólicos como a Plaza del Cristo, em Havana, tornaram-se cada vez mais frequentes. A cena, antes rara, agora expressa um movimento crescente de fé e oração em espaços abertos, marcando uma mudança no ambiente religioso do país.

Na capital cubana, um grupo de jovens se reúne diante de um prédio que exibe uma imagem de Che Guevara com aproximadamente um metro de altura. Com os braços erguidos, eles clamam a Jesus por coragem, prosperidade e força espiritual para enfrentar as adversidades do cotidiano. Trata-se de um retrato que contrasta com a identidade histórica do Estado cubano, que desde a Revolução de 1959 se consolidou como um Estado ateu.

A Fé em Meio à Crise

Especialistas e líderes religiosos entrevistados atribuem esse crescimento da fé evangélica à crise econômica e aos efeitos sociais da pandemia. Pedro Álvarez Sifontes, mestre em Estudos Sociais e Filosóficos da Religião pela Universidade de Havana, afirmou: “Sem dúvida temos visto um aumento [dos evangélicos em Cuba] nos últimos cinco anos”. De acordo com ele, esse crescimento é notório nas ruas de Havana, mesmo sem dados oficiais disponíveis.

O teólogo Eliecer Portal, evangélico batista, reforça a análise: “Depois da pandemia, a crise levou muito mais pessoas a se aproximarem da fé e das igrejas. Momentos de crise chamam as pessoas à fé, principalmente quando sentem que suas vidas estão em jogo”. Segundo ele, a juventude tem buscado consolo nas Escrituras e na comunhão com outros irmãos de fé.

A Bíblia já previa o crescimento da fé em tempos difíceis. Conforme registrado em Romanos 5:3-4, “gloriamo-nos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança”.

Herança religiosa

Embora Cuba tenha sido colonizada pelos espanhóis e conserve uma forte tradição católica, outras expressões religiosas também marcam sua história, como as religiões de matriz africana trazidas por povos escravizados. Contudo, após a revolução liderada por Fidel Castro, o governo adotou o marxismo-leninismo como base ideológica, afastando o Estado das religiões.

A Constituição de 1976 proclamava o direito à liberdade religiosa, mas estabelecia que a educação deveria se basear na “concepção científica marxista-leninista”. Pedro Sifontes explicou que essa orientação foi além da teoria de Marx e Engels, promovendo o que chamou de “positivismo neomarxista”.

Instituições acadêmicas passaram a oferecer disciplinas como “Comunismo Científico”, voltadas para propagar o ateísmo. De forma prática, cidadãos que declaravam fé religiosa eram impedidos de assumir cargos públicos, cursar áreas específicas como jornalismo e integrar o Partido Comunista da Juventude. “Se você declarasse sua religião ou filiação religiosa, não teria acesso a cargos de liderança no governo”, acrescentou Sifontes.

Ainda assim, a fé não foi extinta. Muitos cubanos mantiveram práticas cristãs em ambientes domésticos ou em igrejas discretas, mesmo sob vigilância e repressão velada.

Liberdade Religiosa na Constituição de 2019

A nova Constituição cubana, aprovada em 2019, reconhece a liberdade de crença como um direito fundamental. A Carta assegura que “todas as pessoas têm direito de professar ou não uma religião, de mudar de crença e de praticar seu culto religioso conforme suas convicções”. A mudança no texto constitucional, embora tardia, abriu caminhos para a manifestação pública da fé, especialmente entre os evangélicos.

O cenário atual, no entanto, ainda impõe desafios. Não há relatos amplamente documentados de perseguições religiosas sistemáticas recentes, mas líderes evangélicos continuam atuando com cautela em suas ações públicas. As reuniões em praças e locais abertos, como a da Plaza del Cristo, simbolizam um ato de coragem e testemunho cristão diante das dificuldades econômicas e sociais.

Jovens à Frente do Movimento

A adesão de jovens às igrejas evangélicas tem sido um dos marcos dessa nova fase. Segundo os entrevistados pela BBC, muitos jovens encontram na fé um propósito, esperança e suporte emocional em meio à escassez de alimentos, medicamentos e oportunidades. O crescimento desse segmento da população nas igrejas evangélicas pode ser lido à luz de textos bíblicos como Eclesiastes 12:1: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade”.

Em uma sociedade marcada por décadas de controle ideológico, os jovens evangélicos cubanos tornam-se protagonistas de uma transformação silenciosa, que não se dá por meio da política ou da economia, mas por meio da fé e da oração.

O crescimento dos evangélicos em Cuba representa um fenômeno que transcende estatísticas. Mesmo diante de décadas de marginalização religiosa, a fé cristã tem resistido e se expandido, especialmente em tempos de crise. A oração pública, os cultos ao ar livre e o testemunho dos jovens cubanos revelam uma sede espiritual que nenhum sistema político foi capaz de suprimir.